
Ele foi o nome da desgraça em 1990. Ele foi o capitão da glória em 1994. Ele pode repetir o Franz Beckenbauer de 1974 exatos 36 anos depois. Beijar a Copa do Mundo da Fifa como jogador e técnico. Imitar um único e histórico brasileiro, Mário Jorge Lobo Zagallo.
Entre as Copas do Mundo da Itália e a dos Estados Unidos, 48 meses consecutivos, 192 semanas, 1.460 dias e noites depois, Dunga começou a formar um inimigo invisível no interior do seu cérebro. Nomeou a imprensa como adversário número 1. Não cunhou um rosto, escreveu um nome, marcou um sotaque. Somou. Não escolheu jornalistas do Rio, que classificaram a desastrosa Seleção Brasileira de Sebastião Lazaroni como fruto da “Era Dunga”, nem os paulistas, que o atacavam pela sua falta de habilidade em campo, o que não era real, muito menos os gaúchos – que quase sempre estiveram ao seu lado quando ele rasgava os gramados como bom e aplicado volante de chuteiras de travas altas. O gaúcho venera um volante de contenção.
Dunga colocou todos os jornalistas no mesmo e largo saco, jogou sua ira dentro, fechou. Deu um nó bem dado. A aversão de Dunga aos jornalistas brasileiros estava escondida porque ele também andava oculto depois de se aposentar no Inter por força de jogadas espetaculares de Ronaldinho. Coisas do jogo, da bola, da vida de boleiro. Entre as quatro linhas, jovens não respeitam os mais velhos, nem os de insígnias douradas. Corre quem pode, dribla quem tem mais talento. Sofrem os menos dotados em 90 minutos.
REPÚBLICA DAS ESTRELAS
Dunga voltou às primeiras páginas em 2006, quando aceitou liderar a nova e séria comissão técnica da CBF, cansada da República das Estrelas da Copa do Mundo da Alemanha. Foi imediatamente criticado por parte da mídia, pela quase totalidade dos treinadores do país. Ninguém via nele um representante capaz da turma dos “professores”, ainda mais sem experiência em clubes, em categorias de base. Dunga foi saudado como um alien na categoria dos treinadores.
Aos poucos, ancorado por um grupo de fiéis jogadores, o novo e inexperiente treinador foi desenhando um time, uma ideia de futebol, um esquema de jogo, ao lado do seu fiel escudeiro, o ex-lateral Jorginho.
Craque, por ser apenas craque, não tinha vez. Ronaldinho, melhor exemplo, foi murchando aos poucos. Dunga queria mais do que um drible de cinema e duas jogadas de efeito. Queria comprometimento, camisa molhada, carrinho e bola dividida. Ganhou e levantou assim a Copa América, a Copa das Confederações, a liderança das Eliminatórias 2010.
Esculpiu um time de futebol, não uma Seleção Brasileira.
Os europeus estranharam, acusaram a Seleção de pragmática, sem o “futebol samba”, e elegeram a seleção da Espanha como a maior amiga da bola da atualidade.
Na véspera do Mundial, Dunga recompensou os seus valentes com 23 vagas no Mundial da África do Sul. Levou apenas um craque, Kaká. Os outros 22, com exceção, talvez, de Julio César, o melhor goleiro do planeta, são jogadores que o Brasil produz em série quase todos os anos.
GRUPO DE SECADORES
Em Joanesburgo, Joburg, dizem os íntimos, Dunga mostrou nas pasteurizadas entrevistas coletivas que a sua ira continuava intacta, apesar das vitórias recentes. Acusou os jornalistas de “secadores”, como se jornalista fosse torcedor. Jornalista não torce, escreve. Não veste camisa, usa caneta. Em cada pergunta, mesmo a mais sincera ou curiosa, Dunga sempre nota algo oculto. Usa ironia de volante em algumas respostas. Vê fantasma onde há luz.
Dunga vive uma guerra iraquiana com a imprensa. Alimenta-se do conflito, espalha, influencia os jogadores que, nas entrevistas coletivas, repetem as mesmas frases do chefe. A Seleção é um bloco só, na maneira de pensar e de atuar. As entrevistas coletivas não apresentam deslizes ou bolas fora. Ou polêmicas.
Dunga pode vencer a 19ª Copa do Mundo.
Se ganhar vai dizer que levantou a taça sem o apoio da imprensa, que, aliás, não tem o dever de apoiar ninguém. Se perder, já sabemos quem será o culpado.
Dunga vive num mundo à parte. Não sai de lá.
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