
A final da Copa das Confederações, entre Brasil e Espanha, coloca frente a frente o zagueirão Luiz Felipe Scolari e o fino meio-campo Vicente Del Bosque. Os dois treinadores campeões do mundo adotam conceitos táticos diferentes desde quando eram jogadores separados por dois continentes.
Uma palavra que Del Bosque usa naturalmente à beira do gramado nos momentos mais tensos (ou nem tanto assim) da multicampeã seleção espanhola:
– Tranquilo, tranquilo.
Uma expressão que caracteriza Felipão, cara a cara com seus atletas (familia Scolari), no campo de jogo da Seleção Brasileira.
– Pega, pega!
Luiz Felipe Scolari, 64 anos, que nasceu em Passo Fundo, e Vicente Del Bosque, 62, que é de Salamanca, são técnicos campeões nacionais, continentais e mundiais, sessentões, mais de 1m80cm, nascidos e criados no interior de seus países, apreciadores de um bom vinho tinto, ligados a famílias numerosas e com domínio total dos vestiários que comandam – independentemente da constelação de estrelas com quem dividem assentos e ideias.
Parecem iguais, homens de uma mesma aldeia distante das capitais, dois tiozões de bigodes grossos lotados de fios brancos (Felipão pinta os cabelos, Del Bosque, não), mesmo separados por um oceano. As aparências sempre enganam aos que olham de longe. Eles enxergam o futebol com diferentes óculos de leitura. Não são próximos. Podem dividir um café, um papo sobre tudo, só que jamais adotarão a mesma cartilha tática no trabalho. Um acha que um time começa pela defesa, o outro pelo meio-campo.
Felipão entrou no futebol pelo centro da zaga dos campos de barro e cerca de arame do Gauchão. Del Bosque frequentou o Real Madrid a partir do Santiago Bernabeu, estádio cinco estrelas. O zagueirão do bate-rebate não tem nada a ver com o fino jogador de meio-campo. Nem as chuteiras são iguais, travas altas, quase garras, travas curtas, a bola grudada no pé.
As seleções do Brasil e da Espanha, cada uma ao seu modo, refletem as ideias de futebol dos mentores. Entre os ibéricos, o balão é um crime, o chutão pecado mortal. Junto aos sul-americanos, o bumba meu boi é identidade. O melhor toque de bola do século passado, fotografia na carteira de identidade do futebol brasileiro, mudou de endereço. Não há nada mais espanhol no terceiro milênio do que o futebol bem jogado – e o jamón serrano e o vinho de Alicante.
Felipão gosta do centroavante fincado na área, dos cruzamentos e do volante de perfil valentão. Del Bosque nem sempre conta com um número 9 de carteirinha, é fã do toque de bola refinado e dos que chamam a Cafusa de você. Orgulhosos jornalistas espanhóis em viagem ao Nordeste garantiam que se a sua seleção contasse com os fabulosos atacantes que o Brasil gerou, um Ronaldo, quem sabe, não só seria imbatível, com faria uma pilha de gols em todas as partidas.
O espanhol está em vantagem. Conhece seu grupo desde a década passada e recebeu os melhores jogadores de toda a história do futebol espanhol. Cresceu com eles, ganhou todas as taças Fifa disponíveis nos últimos anos, exceto a Copa das Confederações. Patrolou as grande seleções do continente. É um treinador que adota o diálogo, deixa o atleta falar, dá liberdade em campo, não se importa nem quando Iniesta escolhe o batedor de um pênalti como nas semifinais com a Itália. Pede que os comandados viagem com mulheres e namoradas, se eles sentirem-se mais confortáveis.
O brasileiro chegou agora. Pegou um grupo desacreditado e desiludido. Fez o que sempre faz, chamou um a um, uniu todos, disse que estaria ao lado deles até o final. A partir da primeira vitória, no amistoso contra a França, nasceram outras quatro em sequência. A Seleção renasceu na frente do seu povo
Felipão é um técnico que gosta da conversa, mas com os jogadores. Vê os repórteres como fantasmas, sempre desconfiado que os jornalistas lideram um complô contra a Seleção e seu grupo. Gosta de vender aos atletas uma imagem de que eles precisam se unir. São eles (os jogadores e o técnico) contra o resto mundo.
Gratos pela Tríplice Coroa inédita, taças da Eurocopa e da Copa do Mundo, Vicente Del Bosque, 62 anos, ganhou da Espanha o título de marquês. Caso vença a Copa das Confederações e recoloque o Brasil nos trilhos das vitórias, Felipão, 64 anos, pode escolher a própria qualificação. Não é o Brasil que pede mudanças radicais nas ruas?
A foto que ilustra o texto é de LLUIS GENE/AFP. Mostra um gol da Espanha contra o Taiti, na Copa das Confederações
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