Neste domingo de outono, perto da hora do almoço, 18 dias antes do Mundial, Paulo Paixão desembarcaria no Aeroporto Santos Dumont, no Rio. Trocararia o jato de carreira por uma van de luxo, que o carregará por cerca de 100 quilômetros até Teresópolis, na serra fluminense, endereço da Granja Comary, 150 mil metros quadrados de área verde e base inexpugnável da Seleção durante a Copa.
Com a Mata Atlântica como cenário, o preparador físico formado pela carioca Faculdades Castelo Branco, 63 anos, 44 de futebol, uma gigantesca lista de títulos regionais, nacionais, sul-americanos e mundiais, chegará com duas malas – uma delas enriquecida com imagens de diferentes tamanhos dos seus santos preferidos, São Jorge, Santo Antônio, São Judas Tadeu, São Expedito e por aí vai.
O excesso de bagagem será o primeiro sinal para que Felipão comece a pegar no pé do fiel amigo e companheiro de glórias em quase três décadas. É a senha, a cada encontro, é a mesma coisa, só o volume das risadas é que aumenta com o passar do tempo.
– Pô, Negão. Duas malas. Ninguém traz tanta coisa – ele vai dizer.
– Gringo, não te mete – responderá Paixão, antes de um abraço fraternal.
Quinta-feira à noite, por celular, Paixão conseguia antecipar como será a sua manhã dominical, antes das reuniões definitivas da tarde do mesmo dia que prepararão o terreno para receber, segunda-feira, às 15h, os 23 jogadores convocados.
Pergunto se ele vai pedir aos seus santos de devoção o hexacampeonato. Ele parece que dá um pulo do outro lado. Muda o tom da entrevista, agendada com alguma antecedência.
– Eu? Não. O que eu peço é só saúde, muita saúde. Nada mais.
– Como assim, professor?
– Preciso de forças para trabalhar, treinar, suar, me esforçar ao máximo. Assim, posso alcançar meus objetivos. Não adianta ficar um dia inteiro na igreja rezando e pedindo conquistas extraordinárias. É preciso agir. Eu tenho fé, sei lidar com ela.
Paixão dá uma longa risada e começa a cantarolar o samba Deus Deve Estar de Saco Cheio, que tem letra do seu compadre, José Borracha (já falecido), e que fez sucesso na voz grave do seu camarada Almir Guineto.
Ele repete o refrão, afinado que é.
“Tudo que se faz na Terra
Se coloca Deus no meio
Deus já deve estar
De saco cheio”
Como diários anjos da guarda, fé e saúde trotam ao lado de Paixão, que conquista títulos anualmente desde 1994. Questiono: a sorte também é sua companheira?
– A sorte não acompanha os incompetentes, só quem trabalha muito. Eu posso dizer que batalho duro. Pode perguntar por aí?
– Nem precisa.
– Às vezes é o próprio jogador que pede mais. Na Seleção é sempre assim. São jogadores de alta performance, que disputam os campeonatos mais difíceis do mundo. Eles sabem que precisam estar muito bem preparados. A técnica sozinha não resolve mais nada. Eles chegam e dizem: ‘Paixãozinho, vamos fazer aquela sequência de piques de 300 metros’. Estão interessados, dispostos.
– Os atletas chegam dos quatro cantos, Londres, Madrid, Paris e têm até quem jogue no Brasil. Cada um treina com um preparador físico distinto, de uma escola diferente, falando outro idioma. Como uni-los?
– Zini, é simples, muito simples. Todos querem se preparar da melhor forma possível. Muitos brasileiros que atuam na Europa levam seus fisicultores. Quando eles sentem qualquer problema, consultam os seus homens de confiança. Os grandes clubes europeus não se importam, sabem que nós temos os melhores preparadores físicos do mundo. Depois desde tempo todo, descobri que quanto mais craque o jogador é, menos ele reclama do trabalho físico.
O método de Paixão tem o apoio total de Felipão, dos departamentos médico e de fisioterapia. Todos se conhecem.
– A equipe é ótima, afiada. O entrosamento com o José Luiz Runco (médico) faz tudo andar mais rápido. Segunda-feira faremos exame nos 23 jogadores. Vamos saber como eles estão, como vai o músculo de cada um, da perna direita, da esquerda. Conforme os resultados, eles trabalharão num ritmo. Correrão menos ou mais. Já vou avisar o Felipão, pois ele quer exercitar a parte física e a técnica ao mesmo tempo. O tempo é curto.
– O Felipão mudou muito?
– Mudou. A experiência o fez mudar, mas a qualidade é a mesma. Ele entende mais a psicologia do ser humano. O Felipe fala com o coração. É sim ou não, ele não enrola, não puxa o saco. O atleta o adora no vestiário ou fora dele. Sabe o motivo? Ele não dá tapinha nas costas. Fala palavras reais. Foi bem, não foi, marcou, não marcou, protegeu, não voltou. Jogador de futebol gosta de ouvir palavras verdadeiras.
– Quem é “o cara” na Seleção Brasileira?
– Neymar. Todos sentem, nos estádios ou nas concentrações.
– O que o senhor gostaria de sentir nesta Copa do Mundo?
– O Brasil campeão e o povo feliz, depois de todos os problemas pré-Copa. Nossas crianças festejando o título. Quero receber os meus netos pulando de alegria.
Paulo Paixão, preparador físico da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 2014 (Agência RBS/BD)

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