
Rinaldo Martorelli sabe do que fala. De luvas, aos 23 anos, defendeu o Palmeiras, sucedeu o histórico Leão. Antes dos 33, rodou por Náutico, Portuguesa, Taubaté, São Caetano, Pelotas, Goiás, Paysandu, Noroeste e Esportivo de Passos. De gravata, aos 52 anos, é um dirigente sindical. Comanda o Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo e a Federação Nacional de Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf). É dirigente da Federação Internacional de Futebolistas Profissionais e tem assento marcado na Câmara de Resolução de Disputas da Fifa.
Martorelli estende seu currículo ao telefone enquanto procura uma sala numa repartição pública na capital paulista. É quinta-feira. Ele está apressado e um pouco contrariado. Motivo?
A Fenapaf não ganhou assento no encontro que a presidente Dilma Rousseff teve com as lideranças do Bom Senso FC, segunda-feira.
– Contatei Brasília. Não foi o governo que negou a nossa presença – ele diz, ao abrir o diálogo.
O repórter sabe que o veto partiu do Bom Senso FC. Lideranças do movimento entendem que a Fenapaf, que une 18 sindicatos estaduais e representa mais de 17 mil jogadores de futebol, faz pouco. Martorelli não confirma, nem desmente a bronca.
– Estou investigando. Calma.
Hoje o governo é seu alvo. Não há uma boa sintonia entre as partes. Os atritos nasceram na década passada.
– Os políticos, o governo, os poderes Executivo e Judiciário têm uma visão distorcida do jogador. A sociedade também. Miram o topo da pirâmide. Uma minoria ganha acima de 20 salários mínimos. A grande, mas a grande maioria mesmo, recebe pouco, não são pagos em dia e nem são vistos como trabalhadores. O governo Lula jamais olhou para os atletas. Sempre estendeu a mão para os clubes. O futebol seduz o poder.
– Nem os clubes estão ao lado dos seus atletas?
– Se na Série A, todos os que sempre vivem na vitrina passam por problemas sérios, imagina os menores. Todos atrasam salários e direitos de imagens. Sofrem com as más gestões. Certos clubes nem precisariam existir, pois não pagam em dias e, às vezes, nem depois. Em São Paulo, no Rio e até no Rio Grande do Sul, existem clubes de aluguel. Um empresário assume e começa a negociar os jogadores. Quando ele sai, a realidade muda. Ficam as dívidas. São clubes de papel. O que eles agregam mesmo?
Martorelli não poupa os dirigentes brasileiros.
– Os sindicatos não conseguem entrar nos clubes, que estão fechados para tudo. É proibido até organizar palestra com os jogadores. Em São Paulo, uma lei diz que os atletas, 13 anos, 14 anos, precisam estudar. Eu pergunto: “Como?”. Muitas treinam em dois turnos, mesmo nesta idade. Se você não estuda, não desenvolve o intelecto. É básico.
– Você vê uma porta de saída?
– A profissionalização. É preciso qualificar os dirigentes. Tudo é ligados a resultados, sempre imediatos. Não vejo projetos, planos de trabalho.
– Os sindicatos oferecem algo?
– Em São Paulo, via sindicato, aprovamos uma medida interessante, de comum acordo com a federação local e os clubes. Quem atrasar salários, perde pontos. Está dando certo.
– A CBF topa usar a ideia no Brasileirão?
– Estamos negociando. Vamos tentar aplicar uma norma desportiva a partir de 2015. Quem sabe conseguir fianças bancárias, nas quais os dividendos dos jogadores estariam garantidos durante a temporada. Já conseguimos aprovar uma pré-temporada com 30 dias de treinamentos.
– Você confia na CBF?
– Sou tranquilo quanto à CBF. Não adianta chiar.
– Você gostou do Dunga?
– Não tem ninguém bem preparado no país. Não há intercâmbio entre os treinadores e a Europa. Falta planejamento, cursos, estudo. Falo com dor no coração. Quando o Mano Menezes saiu, em 2012, sugeri o Pep Guardiola.
– Você apoia um calendário nos moldes do futebol da Europa (entre agosto a maio)?
– Nem pensar. Não faz parte da nossa cultura. Quero fortalecer os estaduais. Se os grandes deixarem os regionais, a competição morre. As federações estaduais também não querem a mudança radical.
– É possível segura os craques no Brasil, como a torcida sonha?
– Não com clubes instáveis. O André Santos jogou no Exterior, voltou e, domingo passado, apanhou da torcida don Flamengo no Beira-Rio depois do jogo.
– Mau exemplo, né?
– Péssimo. Quem quer voltar assim?
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