
*Por Kelly Matos e Matheus Schuch
Sacados mês a mês como alternativa para financiar o rombo nas contas públicas do Rio Grande do Sul, os depósitos judiciais utilizados este ano geraram até agora uma conta de mais de R$ 500 milhões ao Poder Executivo. De janeiro a julho, o custo com o pagamento de juros e correção monetária pelo uso dos depósitos foi de R$ 538,5 milhões.
Se o valor for projetado para um ano, o gasto será de aproximadamente R$ 1 bilhão. É um valor semelhante ao que o Estado desembolsa para pagar a folha mensal do funcionalismo (R$ 1,1 bilhão). É como se o Estado pagasse um 14º salário, ou uma décima quarta folha. O valor devido em apenas um ano também seria suficiente, por exemplo, para pagar quase a totalidade de uma das obras mais importantes do Estado nos últimos anos: a BR-448 (Rodovia do Parque), na Região Metropolitana de Porto Alegre, que custou R$ 1,3 bilhão.
Em 2015, o mês que o Estado mais gastou com correção dos depósitos foi junho: R$ 88,9 milhões. É uma média de R$ 3 milhões de reais por dia em juros. Em segundo lugar, está o mês de março: foram gastos R$ 82 milhões. Em seguida, maio: R$ 81,5 milhões. O valor é variável porque a taxação é sobre o valor total da dívida.
“Indiscutivelmente, o Estado acaba arcando com um ônus financeiro bastante significativo, como um custo pela utilização desta fonte de financiamento, mas que é importante para o Estado poder atravessar esta enorme dificuldade em relação à situação fiscal do Rio Grande do Sul”, justifica o secretário-adjunto da Fazenda, Luiz Antônio Bins.
Por que o Estado paga para usar?
O dinheiro dos depósitos judiciais tem origem em ações movidas por pessoas ou empresas, que ainda aguardam as sentenças finais. Enquanto este dinheiro não é pago a uma das partes, ele permanece sob responsabilidade do Poder Judiciário, em um sistema que é gerido pelo Banrisul. Isso foi definido em lei criada durante o governo Olívio Dutra (antes o dinheiro ficava depositado em bancos, que aplicavam o valor e saíam lucrando com a diferença).
Hoje, o valor depositado é corrigido pela Taxa Básica de Juros (Selic). Desse rendimento, o percentual que corresponde ao juro da poupança é destinado às partes envolvidas no processo. A diferença é dividida em duas partes, 90% são destinados ao Fundo de Reaparelhamento do Poder Judiciário e 10%, ao Banrisul, que administra a conta.
Quando o recurso não é sacado, a diferença é paga pelo Banrisul. Nos casos em que é feito o saque pelo Executivo, ele precisa arcar com o valor. Nos últimos 12 meses, o desempenho da poupança foi 7,47%, enquanto a Selic é de 14,25% ao ano.
Ampliar ou não o uso?
O uso de depósitos judiciais não é, nem de longe, uma novidade para os governadores gaúchos. Em 2004, na gestão de Germano Rigotto (PMDB), o governo editou uma lei permitia o uso de até 70% dos depósitos judiciais pelo Poder Executivo. O governo de Tarso Genro (PT) foi o que mais utilizou recursos dos depósitos até aqui: R$ 5,6 bilhões, valor que até hoje não foi devolvido.
O governo de José Ivo Sartori já utilizou cerca de R$ 850 milhões. Esse recurso corresponde a 85% do montante disponível em caixa, percentual máximo previsto em lei. Nos bastidores, o governo estuda apresentar uma proposta que permita ampliar esse percentual para 95%. O projeto, no entanto, ainda não foi enviado ao Legislativo.
Na Assembleia Legislativa, a oposição cobra a apresentação desta medida como forma de evitar, por exemplo, o parcelamento dos salários do funcionalismo. Caso o governo amplie o percentual utilizado, os cofres estaduais receberiam uma injeção de cerca de R$ 1 bilhão de forma imediatada.
O deputado Adão Villaverde (PT) é um dos principais defensores do uso dos depósitos judiciais. No entanto, sabe que os juros custam caro aos cofres públicos. Neste sentido, a bancada petista apresentou duas propostas: uma para ampliar o percentual de utilização do recurso, outra para suspender a aplicação de juros enquanto o Estado estiver enfrentando um agravamento da crise financeira.
“Nós estamos propondo uma moratória, porque de nada adianta o Governo desembolsar este valor, se parcela significativa deste valor ele precisa pagar de custo financeiro, a proposta é para provocar uma conversação no âmbito do Poder Judiciário ou do grupo que o Governo criou com representantes de todos os poderes”, argumenta Villaverde.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é contra o uso dos depósitos judiciais pelos poderes. A entidade moveu ações no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a constitucionalidade dessas leis.