
Essa vida às vezes é muito curiosa. Lembro-me que, no início da década passada, alguns amigos insistiam para que eu fosse conhecer o Bar do Ricardo.
Curiosamente, na primeira vez em que fui lá, fui barrado por ti. Lógico que, naquele momento, fiquei um pouco chateado, mas logo compreendi: atendias a um pedido do Zeca Pagodinho, que promovia uma roda de samba “meio secreta” no local. Mas, depois, com a bênção e a liberação do próprio Zeca, pude entrar no local. E foi amor à primeira vista. Aquele boteco de morro, simples e aconchegante, com samba da melhor qualidade, me cativou.
Depois daquela passagem do Zeca, que tivemos a honra de noticiar, o bar acabou virando um templo do samba. Tu, humildemente, costumava atribuir a mim e ao Zeca o sucesso. Eu sempre respondia que o mérito era todo teu. Pela tua maneira de recepcionar, de conduzir o bar, tu diplomacia… Ah, é claro. Teu e da tua inseparável Gisa.
O bar tornou-se referência no centro do país. Não raras vezes, no Rio de Janeiro, sambistas consagrados perguntaram-me por ti e pelo bar. E não é para menos. Depois do Zeca, cantaram lá Arlindo Cruz, Sombrinha, Reinaldo, Ézio Sam, Leci Brandão, Neguinho da Beija-Flor, Quinho do Salgueiro e tantos outros.
Em relação ao público de Porto Alegre, o Bar do Ricardo, um boteco de morro com música ao vivo e sem cobranças de ingresso virou point nas madrugadas. Passou a reunir, em suas madrugadas de finais de semana, um público mais do que heterogêneo.
Mas, independentemente do bar, passamos a ser grandes amigos. Passamos a nos reunir, com outros amigos, em tua casa, todas as segundas-feiras, quando tu, cozinheiro de mão cheia, nos preparava jantares magníficos. E fostes amigo até para me receberes de braços abertos, depois de um período de um injustificável afastamento meu.
Pois a vida é mesmo curiosa. E, de uns tempos para cá, acompanhamos, com uma disfarçada aflição, a tua luta contra uma enfermidade. Num primeiro momento, chegamos a comemorar, achando que tudo havia passado. Mas o Supremo estava mesmo disposto a levá-lo para junto dele.
Descansa em paz, meu amigo, meu irmão guerreiro.