Oi gente, duas dicas de filmes para o feriadão. No Cinépolis e GNC, estreou o nacional Getúlio, com Tony Ramos arrebentando num thriller político denso e dramático. Lá na Sala de Cinema Ulysses Geremia, até domingo, fica em cartaz o belíssimo Ela.
Vou compartilhar aqui textos que fiz sobre esses filmes. Espero que vocês queiram ir para o cinema correndo, hehe.

Crédito: Sony Pictures
O mundo ainda será lindo
Que “apaixonar-se é uma forma socialmente aceitável de insanidade”, todo mundo já desconfiava, mas ao ser absorvido pela trama do filme Ela, estreia desta quinta na Sala de Cinema Ulysses Geremia, a imersão no mundo das relações humanas fica muito mais profunda. O espectador se dá conta, inclusive, que elas podem transcender o dito aspecto “humano”.
É que a trama escrita e dirigida por Spike Jonze se passa num futuro aparentemente próximo e mostra o nascimento de uma paixão entre um homem recém-divorciado e um sistema operacional com inteligência artificial. Se você leu essa sinopse sem saber nada mais sobre o filme, é bom avisar, entretanto, que não se trata de um drama sobre tecnologia, com carros voadores, ciborgues ou algo assim. É um filme sobre a louca e complexa capacidade de sentir.
Theodore é um homem solitário que está enfrentando uma separação. Os olhos limpidamente verdes de Joaquin Phoenix vivenciam essa melancolia de forma impressionante – o ator foi injustamente esquecido pela academia este ano. Na primeira cena do filme, o rosto marcante do personagem (que ganhou ainda um bigode meio indie) toma a tela inteira. Ele narra uma declaração de amor: “antes, eu vivia minha vida como se soubesse de tudo, de repente eu vi uma luz que me despertou, essa luz era você”. Logo o espectador entende que o personagem exerce a poética profissão de escrever cartas, num tempo em que este é mais um serviço vendido. Não se trata de uma simples técnica, ou somente um talento, entende-se logo que Theodore tem olhar apurado para as coisas do coração.
Se a propaganda de um produto prometesse responder perguntas como “quem é você? O que você pode ser? Aonde vai? O que está lá fora? Quais são as possibilidades?”, eu também ia querer comprar, seja lá o que fosse. É assim que Theodore adquire Samantha, o sistema operacional que tanto ele como o espectador vai conhecer somente por meio da doce e rouca voz de Scarlett Johansson. Ela vasculha toda a existência virtual (e-mails, trabalhos, etc) do dono e passa a travar com ele diálogos cada vez mais profundos, cheios de descobertas para ambos.
A melhor amiga de Theodore, Amy (vivida de forma apaixonante por Amy Adams), também engata uma relação amigável com um sistema operacional e, aos poucos, o mundo todo parece caminhar pela rua interagindo com suas próprias “Samanthas”. Assusta um pouco porque parece perfeitamente possível acontecer fora da ficção. O futuro criado por Jonze ainda tem muitos tons pastéis, linhas geométricas, prédios enormes e temíveis calças masculinas de cintura alta. As pessoas andam apressadas e geralmente sozinhas. Mas a frieza inerente à abordagem das relações pessoais no futuro ganha tons coloridos.
A história de Theodore e Samantha vai além da normalmente cilada cinematográfica do homem apaixonado por uma máquina. Eles passam a ser os olhos do mundo um para o outro e, se não podem ter uma fotografia, materializam-se em melodia (preste muita atenção na ótima trilha do filme, basicamente assinada pela banda Arcade Fire).
O roteiro de Jonze (vencedor do Oscar) capta a essência de uma paixão de maneira bem pouco usual. Não há afetações, nem grandes reviravoltas, a história se desenvolve com a naturalidade das próprias relações amorosas que vão crescendo até sentirmos que mudaram algo em nós.

Crédito: Copacabana Filmes
19 dias antes do fim
O suicídio mais emblemático da história da política brasileira é o desfecho premeditado do longa Getúlio, que estreia em Caxias do Sul hoje (veja sessões na página 2). Mas entrar no cinema sabendo o final do filme, neste caso, não significa sair da sala sem surpreender-se.
Em sua primeira incursão pela ficção, ainda que baseando a trama em personagens e histórias reais, João Jardim entrega ao espectador um filme denso e cheio de facetas desconhecidas dos últimos 19 dias de vida do então presidente Getúlio Vargas (Tony Ramos), em 1954.
Getúlio é um thriller político, com rumos que mudam a cada reunião a portas fechadas no interior do Palácio do Catete (onde a maior parte das gravações foi realizada). São tantos personagens importantes que o diretor resolveu utilizar o recurso da legenda com identificação de nomes e cargos a cada vez que cada um deles aparece pela primeira vez na telona. A trama se desenvolve a partir de um atentado sofrido pelo jornalista Carlos Lacerda (Alexandre Borges), o maior inimigo público de Getúlio, e que resulta na morte de um de seus capangas. O presidente é acusado de ser o mandante do crime e uma crise se instaura. A situação piora quando graves denúncias de corrupção vêm à tona. Dentro e fora do palácio, Getúlio é pressionado a renunciar.
A câmera está sempre posicionada de forma a colocar o espectador dentro da história. A cada discussão entre personagens que percorrem os longos corredores do Palácio do Catete, dá para se sentir caminhando atrás deles, escutando as conversas que dariam rumo à história política da época. Com o apoio do roteiro de George Moura, a história que corria o risco de se tornar cansativa com tantas idas e vindas estratégicas ganha o respiro das relações pessoais intensas, inclusive familiares. O filme joga luz sobre personagens como Alzira Vargas (Drica Moraes, em bela atuação), braço direito de Getúlio e elo central em emocionantes cenas de cumplicidade entre pai e filha.
O filme transcorre enquanto um homem toma a decisão de se matar, e a fotografia transfere essa melancolia colocando o espectador em ambientes sombrios, com pouca luz natural (eram momentos de se manter janelas e cortinas fechadas). Em muitas cenas, é possível se sentir parte da consciência de Getúlio, ainda que silenciosamente. Tony Ramos confere uma emoção natural ao semblante do presidente. Muito longe do homem forte que entoava discursos cheios de certezas, é no momento de dúvida e consternação que o ator foca seu delicado trabalho de interpretação.
Outro trunfo do filme é a capacidade de fazer refletir sobre um assunto pouco usual na cinematografia brasileira. Quando Getúlio diz “quase nunca, no meu governo, me pediram algo para o país, sempre para alguém”, a sensação é a de que os bastidores políticos, infelizmente, não mudaram muito.
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