Fui atraído por aquela notícia quase de enxerido, atração facilitada pelo vácuo do momento. Quem lê tanta notícia?, já vaticinava Caetano Veloso nos longínquos Anos 60, meio século atrás. Mas era possível lê-la, ainda mais que, de soslaio, em uma averiguação preliminar das palavras que saltavam do texto, percebi tratar-se de um crime no Jardelino Ramos, Humberto de Campos com a Vinte, já na transição para Lourdes. Violência no Jardelino interessa-me em especial, já foi tema central de um livro que escrevi, pelas características que envolvem a região. Então fui conferir: “Homem é assassinado a tiros perto de casa”.
Notícias pequenas, de canto de página, costumam render bons assuntos para crônicas. Foi o que aconteceu. O pequeno texto de 12 linhas tinha uma informação preciosa sobre a vítima de 38 anos, assassinada com um tiro na cabeça às 11 e meia da noite de um sábado de outono: o homem era solteiro, sem filhos e desempregado. Com passagem pela polícia por delitos diversos, ele morava com um irmão no Jardelino Ramos. Ou seja, em um primeiro exame encharcado de desapego, foi possível cogitar: pouca gente irá sentir sua falta. Mas sempre há quem sinta.
Nesta época de banalização da violência, quando a posse de um prosaico pote de catchup em uma barraca de cachorro-quente transforma-se em motivo para ameaças e agressões, diante de nossa reveladora falta de habilidade para resolver conflitos, a morte de um homem em uma rua deserta tem grande potencial de passar sem repercussão. Mas o rapaz era solteiro, sem filhos e desempregado, detalhe que estimulou a especulação acerca de uma trajetória que chegava a um desfecho assim, aparentemente sem proximidades maiores, a não ser com um irmão.
É um engano. Qualquer trajetória é encharcada de vida, e não pode ser banalizada. A cada momento, há temores, incertezas, encontros, desencontros, algumas alegrias, sonhos tímidos, provavelmente muitas frustrações. Toda pessoa é capaz de esboçar algum sonho na adolescência. Tudo isso vai orientando ou desorientando uma vida, em combinação com escolhas acertadas e equivocadas até que os passos conduzem a uma esquina sombria em uma noite de outono. Então sobrevem o desfecho.
Nenhuma morte é banal. Mesmo no caso de um homem solteiro, sem filhos, desempregado e com passagem pela polícia.