Jackson Araújo, 46 anos, é multimídia. Jornalista nascido no Ceará, já colaborou para os principais veículos de comunicação do Brasil. Reuniu todo o conhecimento adquirido em anos de pesquisa e contatos para se recriar. É hoje um dos pensadores de moda mais interessantes do país. Esteve em Blumenau na semana passada para assumir a direção de conteúdo do Santa Catarina Moda Contemporânea (SCMC). Veio disposto a estabelecer o conhecimento como principal matéria-prima do projeto. Depois de uma maratona de palestras, ele conversou com a coluna sobre as mudanças, os alunos de moda, a consultoria para o badalado WGSN e o futuro (aqui, na íntegra).
O que significa ao SCMC essa nova direção criativa e de conteúdo?
Vamos utilizar nossa expertise como pesquisador e analista de tendência para alimentar as pessoas e as marcas. Estou ampliando a ideia de participação para que as empresas tragam seus profissionais de visual merchandising, de comunicação, da estamparia. Nosso projeto é todo focado em conhecimento. Porque a gente acredita que o conhecimento é a grande moeda de troca e de maior valia dentro do mundo contemporâneo. As marcas que tocarem o coração de seus consumidores com o conhecimento vão ficar pra sempre na gaveta da fidelidade.
Você já conhecia o projeto?
Já, eu fiz a palestra de abertura do primeiro evento, falando de identidade. É interessante porque questionei diversas coisas quando fui consultado para fazer o projeto. Perguntei ao Cristiano (Buerger, diretor do SCMC) se eu poderia questionar ou queriam apenas que eu fizesse algo amistoso e fofo. E ele me disse que precisa criar uma zona de desconforto. Então, vou fazer uma análise sobre o evento antes de fazer uma proposta. Vamos começar a ver tudo o que deu errado. E até que ponto eu posso contribuir. Eu sei pensar sobre moda. Esse é o meu papel. Encontrei esse caminho, de inspirar as pessoas a ousar, a experimentar o novo. É a minha colaboração dentro da minha linha de pensamento.
Será um trabalho direto com as empresas e os alunos?
Sim, com todos. Nossa proposta não é trabalhar só com a equipe de designer, mas com gente que trabalha em outras áreas das empresas. A mudança que a gente está sugerindo é que o SCMC deixe de ser apenas um órgão de captação de sinais. Ele vai trazer pra si o que está acontecendo no mundo e refletir sobre isso e aprender a emitir novos sinais. Nossa ideia é fazer essa digestão de conhecimento para poder refletir dentro das marcas, da cabeça de cada um. Construir uma ideia de que não apenas consumimos conhecimento, mas damos também.
Você falou na palestra sobre a importância do olhar para si, pra dentro. Isso não é difícil, principalmente entre os estudantes de Moda?
Essa dificuldade nós temos como seres humanos. Mas existe uma arrogância natural da juventude que é muito saudável pra gente. E essa dificuldade de olhar pra si é muito saudável. Ela vai dar pano pra manga para criticar. Ao mesmo tempo que te dá liberdade para criar coisas malucas, ela também te coloca diante do melhor e do pior de você mesmo. Temos de vir com essa dificuldade. Outra coisa que estamos propondo é que o estudante e a marca trabalhem juntos. É aprender junto. Esse produto não precisa ser, e eu prefiro isso, roupa. Eles podem criar roupas, campanhas, cenografias, figurino de balé, qualquer coisa que tenha a moda como suporte criativo.
O que faz um colaborador do portal de tendências WGSN?
Funciona como uma antena do WGSN fora de Londres. O meu trabalho é olhar para música, arte e comportamento. Vejo o que está acontecendo dentro do Brasil e sugiro pautas pra eles. Posso emprestar meu olhar e trazer esse repertório dividido dentro de um formato que eles usam. São elementos que não estão presentes na moda, mas podem inspirar a moda a criar novos produtos.
Glória Kalil deu uma declaração de que os criadores de moda brasileiros passam mais tempo na balada do que em exposições de arte, por exemplo. Seu acesso aos estudantes é muito grande. Como você essa geração que está saindo das escolas?
Admiro extremamente a Glória, ela tem um viés interessante de pensamento. Ela está todo colocando todo mundo no mesmo saco para chacoalhar. Isso é uma verdade e não só na moda. É no empresariado em geral. Porque, no sentido geral, somos um país outdoor. A gente prefere se encontrar na praia, na balada, na rua. A galeria de arte e o museu também passam por um processo de educação muitas vezes anterior a vida adulta. Temos uma dificuldade muito grande de se inspirar em galerias. Essa visitação é muito mais comum fora do Brasil do que aqui. É péssimo, mas é verdade. É importante tocar na arte. Ela reverbera na perenidade dos conceitos. Ela não trabalha com o descartável, tem pruridos em relação a isso.
Na palestra você falou de um menino catarinense, de Criciúma, que tem chamado sua atenção. Quem é ele?
Não posso falar ainda.
Ele está fazendo moda?
Sim, moda. É um trabalho muito interessante. Não é o momento para falar ainda, de expor publicamente a opinião que tenho sobre o trabalho dele. Até porque ele pode ser importante num processo que pretendo discutir ainda aqui no SCMC. É muito novo, tem apenas 25 anos. Tem um trabalho muito interessante de moda relacionado com a arte. Ele tem que parar de fazer coleção e fazer série. É um trabalho muito mais artístico do que fashionista. Eu estou tentando fazer com que ele primeiro experimente essa possibilidade de encarar a moda como uma mídia de comunicação do trabalho. Fiz isso muito bem com a Rita Wainer. Falei que ela não era estilista e sim designer. Ela trabalha com vários elementos que constituem a alma de um artista. Que devia usar a moda para isso. É aí onde vamos encontrar, por exemplo, o novo Alexander McQueen, o novo Herchcovitch, o novo Lino Villaventura.
Em 2005, quando conversamos pela primeira vez, perguntei sobre o futuro. Você disse que queria uma casa na praia, ao lado do namorado e de um cachorro. Já conseguiu comprar a casa de praia?
(risos) Eu consegui comprar um apartamento nos Jardins (bairro paulistano), com o meu namorado, e agora são dois cachorros. Já tenho um sítio. Comprei também uma obra do Burle Marx. Tem coisas que eu valorizo muito mais do que roupas apesar de trabalhar com moda. Agora quero cada vez mais inspirar as pessoas e deixar meu conhecimento na mão dos outros. Porque é muito cafona, fora de moda, guardar as coisas pra você. O colaborativo é importante.