É vasta, é lacrimosa a comoção cada vez que o jornal faz incursões pelo maravilhoso mundo animal. Agora mesmo o Ronaldo Bernardi fotografou cenas da vida selvagem em pleno Parcão, no meio da urbe cinzenta.
Aquele cágado arrastando a pacífica e moscona pomba para o meio do lago, onde ela serviu de repasto para o caçador e sua turma de cágados, que nem pareciam cágados, e sim piranhas atrozes.
Não sabia que cágados eram brabos desse jeito. Na verdade, nem sabia que aqueles bichos do Parcão se chamavam cágados. Pensava que fossem tartarugas, e até gostava disso. Cágado me parece meio de mau gosto. Em todo caso, fica aí demonstrada a importância do acento e de se manter afastado daquele laguinho perigoso.
Dias atrás, nós aqui do Esporte também invadimos essa seara nevrálgica. Publicamos matéria com Borg, um cachorro que foi associado ao Inter por sua dona. Notícia inofensiva, aparentemente.
Aparentemente.
A matéria despertou a indignação de uma torcedora que se identificou como “doutora Isabella Bard Correa, advogada e mestre em Direito Civil”. Doutora Isabella enviou um alentado e revoltado imeil que, em parte, reproduzo a seguir:
“Estou escrevendo para o senhor devido ter me sentido lesada, haja vista o Dudu (no pedigree o nome é Edward) ser sócio contribuinte do Internacional como meu dependente, com mensalidade devidamente descontada no meu contracheque da Justiça Federal.
Colocaram na reportagem da Zero Hora aquele cachorro que há dois dias era sócio. O Dudu é sócio desde que nasceu, é garoto propaganda de várias pet shops e inclusive tem book feito por agência de publicidade. Somos colorados apaixonados pelo Inter, o quarto dele é todo decorado com produtos da loja do Inter, saci, bola etc.
O Dudu só veste as roupinhas oficiais do Inter, porque compro tudo lá na loja. Ele tem camisetas autografadas, toalhas, bandeira do Inter e fotos com jogadores. Diante disso, acredito que posso requerer a foto do meu lhasa apso fardado na Zero Hora. Na carteira dele de contribuinte consta Eduardo Correa, por ser meu dependente.
Inexiste problema com os dirigentes do Inter, porque o Dudu será sempre criança, e criança não vota. Eu votei nesta eleição. Espero que o senhor acate meu pedido por ser plenamente possível. O Dudu é meu filho único, por isso é tudo pra mim”.
Note, caríssimo leitor, as agruras por que passa um operário da informação. Quando publicamos a notícia sobre Borg, o cão sócio, o fizemos na intenção singela de registrar o inusitado. Ou, pelo menos, o que acreditávamos ser inusitado. Não era. Não suspeitávamos que, entre os milhares de integrantes do quadro social do Inter, havia outro cachorro, Edward (chamo-o pelo nome de registro por não privar da intimidade dele).
Também não tínhamos como desconfiar que a dona, ou, como ela se autodenomina, mãe de Edward ficaria ofendida com a publicação da matéria sobre outro cãozinho colorado. E assim abrimos uma perigosa frente. Porque, uma vez que existem dois cachorros associados ao Inter, quem garante que não haverá mais? E os gatos, que também são receptáculos de incondicional amor de seus donos? E os peixinhos dourados? Tenho um amigo que ama seu peixinho dourado. E, por que não?, os cágados carnívoros? Ou um cágado carnívoro não pode ser sócio do Inter? Francamente, é melhor ficar à margem do mundo animal.
* Texto publicado em Zero Hora dominical.
Postado por David
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