“O Robin Wood dos Pampas”
Um, dois, três, quatro, cinco.
Meia-volta.
Um, dois, três, quatro, cinco.
Meia-volta.
Um, dois, três, quatro, cinco.
Ramos cobria a distância do quarto em cinco dos passos de suas longas pernas. Andava de um lado para outro, ansioso, mãos às costas. Gostava de caminhar enquanto pensava. Quanto tempo fazia que Catarina havia saído? Hora e meia, talvez duas. O açougue precisava se reabastecer para uma encomenda feita pelo novo clube da cidade, o Leopoldina Juvenil. Haveria uma grande festa no próximo mês. Ramos teria de produzir muita linguiça, trabalhar duro durante semanas, mas ganharia um bom dinheiro.
Dinheiro.
O dinheiro se tornava cada vez mais importante em sua vida. Ramos sempre fora pobre. Seu pai, Manoel Ramos, havia nascido na Província de São Pedro e servira na cavalaria de Bento Gonçalves durante a Guerra dos Farrapos. Em meio à luta, porém, desertou, cansado que estava das degolas, do sangue, dos sacrifícios impostos aos combatentes. Fugiu para Santa Catarina e montou uma venda de secos e molhados na ilha do Desterro, lugar tão belo quanto precário.
A venda mal permitia o sustento de Manoel, a mulher e os três filhos, o mais velho deles batizado de José. As privações eram muitas. A casa onde viviam não passava de uma choça imunda. Suas roupas, de tão velhas, se reduziam a trapos. José e seus irmãos andavam descalços. Nos rigorosos invernos da ilha, tiritavam de frio.
À noite, Manoel contava histórias da guerra para os meninos. José se encantava com as descrições das degolas dos inimigos capturados, pedia que o pai as repetisse e, ao dormir, sonhava com as cenas de sangue e crueldade.
Foi certamente para suportar a vida insossa naquela ilha esquecida por Deus no sul do Brasil que Manoel passou a beber. Todos os dias exagerava na canha, batia nos filhos, batia na mulher, gritava impropérios e ameaças. Uma noite, furibundo, avançou contra a mãe. Espancou-a com violência. José assistia à cena. Pedia ao pai que parasse com aquilo. O pai não parava. José pulou sobre ele. Lutaram. O filho deu de mão numa faca de churrasco e enfiou quinze centímetros da lâmina afiada no corpo do pai. Passados dois dias, Manoel morreu. O filho parricida fugiu para a Província de São Pedro.
Em Porto Alegre, José Ramos sentou praça como soldado da polícia. Dono de grande força física e alguma argúcia, saiu-se bem na função. Tornou-se homem de confiança do chefe de polícia da província, o nordestino Dario Callado. Executava as funções consideradas de risco. E sempre a contento. Além disso, era um dos poucos policiais da cidade perenemente atento aos movimentos dos negros, pormenor deveras apreciado por Callado. Ramos não permitia que negros ou pardos andassem nas calçadas ao lado dos brancos. Exigia que os cadáveres dos cativos fossem logo retirados das ruas para serem sepultados, o que se tratava de uma medida higiênica – amiúde, quando um escravo morria, seu relapso proprietário se livrava do corpo simplesmente rojando-o em algum terreno baldio perto de casa, como se fosse lixo. Orientado por Callado, Ramos procurava o dono, pedia que recolhesse o defunto, que lhe providenciasse um sepultamento cristão.
A carreira policial de Ramos trilhava por um caminho ladeira acima, até que ele deparou com Domingos José da Costa, o célebre Campara, chamado “o Robin Wood dos Pampas”. Como Ramos, Campara nascera em Santa Catarina. Assaltava o grande comércio e as casas dos nababos da região serrana de Lages. Depois, distribuía parte da féria entre os pequenos agricultores dos altos da serra do rio do Rastro. Sua fama se espalhou pelo Sul do país. Caçado sem tréguas pela polícia catarinense, homiziou-se na Província de São Pedro, onde continuou a trajetória de filantropo fora da lei. Foi então que o nome de Campara se transformou em lenda.
Ao entardecer de cada dia, os moradores das cidades da província se reuniam nas calçadas com suas cadeiras. Sentavam-se a sorver chimarrão. Para se distrair, contavam histórias uns para os outros. De preferência, histórias de terror.
Como as da voz misteriosa.
Um caixeiro havia chegado cansado a um lugarejo do interior. Ao pedir pouso, o dono da única estalagem do lugar lhe informou que não havia mais vagas. Só restara um quarto tido e havido na região como mal-assombrado. O viajante sentia mais cansaço do que superstição. Arrostou:
– Não tenho medo de assombração.
O estalajadeiro tornou a advertir:
– Muita gente se assusta.
– Não tenho medo!
Pois bem. O estalajadeiro cedeu o quarto ao caixeiro. Minutos depois, o viajante entrou no quarto, asseou-se e se preparou para dormir. Estava se deitando quando uma voz tenebrosa brotou de algum lugar no teto:
– Olha que eu caaaaio…
O caixeiro, assustado, procurou quem falava. Não havia ninguém. A voz repetia:
– Olha que eu caaaaio…
Ao que o caixeiro replicou:
– Então cai!
E, de algum ponto indistinto do teto, caiu um braço. O caixeiro olhou para o braço inanimado no assoalho de madeira, mas não fez sequer menção de afastar as cobertas aconchegantes. Nenhum fantasma iria lhe roubar o sono aquela noite. Assestou a cabeça no travesseiro. Já ia dormir, indiferente ao braço no chão do quarto, quando a voz, de novo:
– Olha que eu caaaaio…
– Pois cai! – desafiou o caixeiro desassombrado.
E de algum lugar desabou uma perna.
Nem assim o homem se deixou levar pelo pânico. Relaxou. Tentou dormir. Então:
– Olha que eu caaaio!
– Cai, desgraçado! Cai!
Outra perna veio sabe-se lá de onde.
Assim prosseguia a história. O narrador gesticulava, os ouvintes sorviam o mate em silêncio. As crianças captavam nesgas do conto sentadas no chão, em volta das cadeiras, os olhos redondos de espanto. Para elas, os adultos sempre reservavam os casos da Mão Preta.
À noite, a Mão Preta se arrastava pelas casas feito uma tarântula, subia nos peitos das crianças, esganava adultos que haviam praticado maldades. De onde vinha a Mão Preta, o que era, por que fazia o que fazia, isso ninguém explicava.
Havia ainda o famoso caso da serpente que mamava leite humano. Um caso verdadeiro, juravam. Ocorrido numa dessas colônias alemãs. A jovem dona da casa dera à luz recentemente. Depois do almoço, o marido voltava para a roça, ela tirava a mesa e amamentava o nenê. Amamentava sempre sentada na varanda, encostada confortavelmente na parede da casa. Enquanto o nenê se alimentava, ela aproveitava para tirar a sesta. Mal sabia que, acampanada em algum desvão do pátio, a serpente a observava. Assim que a mulher dormia, a serpente se movimentava. Rastejava solertemente até ela. Contraindo os poderosos músculos do corpo, escalava os degraus, alcançava a mãe adormecida. Com todo o cuidado, a cobra afastava a criança do seio, abocanhava ela própria o mamilo e enfiava seu rabo na boca do nenê. A criança ficava mamando no rabo, a serpente no seio. Essa operação se repetiu por semanas. A criança emagrecia sem que os pais entendessem o porquê. Uma tarde, o homem voltou mais cedo para casa, por um motivo qualquer. Deparou com a cena horrenda: a serpente enroscada entre sua mulher e seu filho, sorvendo o leite que seria da criança, logrando a mãe adormecida. Pé ante pé, ele foi para dentro da casa. Retornou com um facão. A cobra, pressentindo o perigo, tentou saltar para a segurança do mato. Mas o homem foi mais rápido em sua fúria para proteger a família. De um golpe, dividiu a cobra em duas. Do corpo ondulante espirrou leite em quantidade suficiente para amamentar um bezerro, molhando tudo e todos em volta.
Incrível, incrível.
Agora, ninguém podia duvidar do ocorrido com aquele sujeito que caminhava solitário por uma dessas estradas poeirentas do interior. Chovia e trovejava, o homem estava encharcado até a medula. Lá adiante, numa curva distante do caminho, surgiu um carroção funerário, negro e sombrio, puxado por uma parelha de cavalos baios. O caminhante fez sinal para que o carroção parasse. Havia dois homens na boleia.
– Bons dias. Podiam me dar uma carona?
– Só tem lugar lá atrás – e o condutor apontou com o dedo para a carroceria.
– Não tem problema.
O homem foi para a parte de trás do carroção. Aboletou-se. Lá encontrou um grande, negro e acolchoado caixão de defunto vazio. Como estava frio e ele se sentia cansado, pensou ser aquele um local quente e confortável o suficiente para ele repousar, embora reconhecesse que era também um tanto funesto. Acomodou-se no caixão e dormiu profundamente.
Meia hora depois, novo caminhante fez sinal na estrada. O carroção parou.
– Carona?
– Só tem lugar com o outro, lá atrás – respondeu o condutor.
Com o outro. O caminhante considerou um tanto sinistro ter que viajar na companhia de um morto. Mas não havia alternativa. A estrada era erma, o carroção fora o primeiro veículo que passara em horas.
Aceitou.
Embarcou nos fundos do carroção e seguiu viagem. Durante longos quinze minutos, ficou observando o corpo do outro, assaltando-lhe de vez em quando a desagradável impressão de que ele se mexera, ou que respirava. Aquilo lhe dava arrepios.
Então, o primeiro viajante despertou.
Piscou os olhos, sentou-se no caixão, olhou para seu companheiro de viagem e cumprimentou:
– Como vai?
O homem não esperou o carroção parar. Saiu correndo pela estrada, aos berros, e só parou para contar o caso na cidade mais próxima.
Histórias da Província de São Pedro. Entre essas, poucas eram tão apreciadas quanto as do Campara, o justiceiro dos oprimidos, o Robin Wood dos Pampas. O Campara caminhava pelos telhados das casas, silencioso como se tivesse os pés almofadados do gato; o Campara iludira um pelotão inteiro da Força Policial que o cercara quando do assalto a uma fábrica de chapéus; o Campara escapara por milagre dos soldados depois de preso e bem-manietado. O Campara distribuíra o produto de um roubo milionário numa vila paupérrima. O Campara salvara uma família da fome com a doação de uma carga surrupiada de uma caravana de carreteiros. O Campara era o herói dos descamisados da Província de São Pedro.
Mas um dia o Campara foi enfim preso, em Santa Maria, e mandado para Porto Alegre.
Uma noite em que estava só, cuidando da cadeia, Ramos decidiu conhecer o preso famoso. Queria olhá-lo na cara, ver de onde vinha toda aquela esperteza. Reconhecia que talvez a celebridade do outro o incomodasse. Um fora da lei, um ladrão vulgar, era amado pelo povo. Por que aquilo?
Ramos parou diante da porta gradeada. Levantou o lampião, iluminou a figura sentada no fundo da cela. Campara ergueu a cabeça, os olhos piscos. Ramos se deteve alguns segundos, observando. Não conseguia distinguir com clareza o rosto do outro, imerso na escuridão. Enfiou a chave na porta da cela. Abriu, fazendo retinir a grande chave contra a fechadura. Entrou. Campara se aprumou no catre, na defensiva. Ramos parou à soleira. Caminhou dois passos. Descansou o lampião no assoalho da masmorra.
– Então você é o famoso Campara – comentou, mãos à cintura. – Não parece grande coisa.
Campara suspirou, como se a frase do carcereiro o tivesse desanimado. Não disse palavra.
O silêncio do preso irritou Ramos.
– Pra mim você é um bosta! – berrou.
Campara se encostou na parede, tenso, procurando demonstrar serenidade. Nem sequer olhou para o policial.
– Um bosta! Está ouvindo?
Olhos fechados, Campara dava a impressão de estar dormindo.
– Estou falando com você, seu bosta! Está me ouvindo? Seu bosta! – Ramos agora estava quase que sobre o Campara, gritava a meio metro do ouvido do bandido, os perdigotos lhe saíam da boca e respingavam no outro, que não mexia um músculo.
– O que você acha disso? – berrou ainda mais Ramos, sacando a adaga da cintura, brandindo-a diante do rosto do preso. Queria fazê-lo reagir. Queria que o Robin Wood da província mostrasse o quanto era covarde. Que implorasse por sua vida. – Que tal se eu te abrisse a garganta agora, seu bosta?
Nada. Nenhuma reação.
O desdém do assaltante foi-lhe aumentando a raiva, de tal forma que logo Ramos já estava em estado de fúria absoluta.
– Desgraçado! – urrava. – Desgraçado!
Tomou os cabelos de Campara com a mão canhota, derrubando-o do catre, colocando-o de joelhos no chão da cela. Puxou a cabeça para trás, como faziam os degoladores na Guerra dos Farrapos, preparou-se para lhe rasgar um talho de orelha a orelha. Campara agora não estava mais indiferente. Olhos arregalados, a boca muito aberta, em pânico, antevendo a morte certa, sentindo já a lâmina que se lhe encostava no pescoço e lhe dilacerava a carne, sentindo o sangue que brotava. Campara não hesitaria em suplicar por clemência se desconfiasse que isso seria o suficiente para deter o carcereiro. Ia realmente gritar, ia se humilhar, quando uma mão salvadora segurou o braço do verdugo.
– O que é isso, Ramos???
Dois policiais tinham ouvido os berros do lado de fora do prédio. Na porta da cela, um grupo de populares assistia à cena, olhos arregalados de pavor. Campara ficou caído ao solo, em estado de choque, com o pescoço sangrando, mas vivo.
Havia testemunhas demais. Ramos foi banido da Força. Continuou fazendo bicos como informante de Dario Callado, submeteu-se a prestar servicinhos de segunda categoria, como espancar negros desobedientes ou dar lições em adúlteros. Até conhecer Catarina. Ela mudou sua vida. Com Catarina, Ramos ingressou num mundo completamente novo. Um mundo de perigo, de prazer e também de dor. Foi Catarina quem lhe apresentou o açougueiro Carlos Claussner, na época seu amante. Em dois meses, Ramos aprendeu o ofício de açougueiro e passou a se cevar ardentemente nas carnes tenras de Catarina. Que fêmea! Cada vez mais, Claussner estava sobrando naquela história. Foi nele que Ramos usou pela primeira vez o machado, seguido da degola a facão. Um fim rápido e preciso. Ramos tomou posse do açougue. E de Catarina.
A questão do corpo de Claussner, como dar sumiço no cadáver do açougueiro, foi que lhe inspirou a preparar a linguiça especial. Ramos havia esquartejado o cadáver e pensava na maneira de se livrar das partes quando lhe veio a ideia de transformá-las em linguiça. Era genial. Perfeito. Além disso, saber que toda aquela chamada gente bem da cidade comeria carne humana e se transformaria em canibal lhe dava enorme prazer. Ramos finalmente se vingava de todas as privações que havia passado em sua vida. Descarnou o cadáver de Claussner, fez a linguiça e a expôs no açougue. Para sua imensa surpresa, a linguiça foi um sucesso. Ramos a oferecia às pessoas, elas levavam para casa e voltavam ao açougue, comentando a delícia que era a linguiça, perguntando onde eram criados os porcos abatidos para confeccioná-la. Porcos, agora veja. Ramos considerou interessante essa informação. Provou ele próprio da linguiça, depois de fritá-la com banha. Cortou um naco de três dedos de largura, espetou-o no garfo e provou, de pé, na cozinha, assistido pela curiosidade verde-azulada do olhar de Catarina.
– Que tal? – ela quis saber.
E Ramos, olhando para o teto, saboreando:
– Parece porco mesmo…
O que mais haveria de comum entre porcos e seres humanos?
Enfim, Ramos percebeu que poderia amealhar um lucro bem razoável com aquele novíssimo negócio. E estava ganhando dinheiro mesmo. Tudo com relativa segurança. Não havia corpos. A carne era comida pela cidade, os ossos ele punha a diluir lentamente em ácido fosfórico. Nas vezes em que o ácido lhe faltou, ele enterrou os ossos no quintal, mas assim que tivesse tempo os desenterraria e os dissolveria no tonel.
Para o sumiço de Claussner, Ramos deu a explicação de que o açougueiro se mudara para o Uruguai. Explicação perfeita: o próprio Claussner andara comentando pela cidade que tinha vontade de se mudar para Montevidéu. Os outros, ninguém os tinha visto entrando na casa número 27. Os únicos problemas eram o tal alemão Rech e o magricela Duarte. Alguém os vira perambular pela rua do Arvoredo. Ruim. Péssimo. Mas o pior era o caso do tal Rech. Um alemão. O consulado da Prússia devia ter pressionado o chefe de polícia. Menos mal que Dario Callado confiava nele. Pediu que ele, Ramos, ficasse atento a qualquer movimentação estranha nas imediações. Teria de tomar mais cuidado. Justamente agora… agora poderia enriquecer. Aquela Rosa, a mulher do padeiro Antunes, ela é que lhe franquearia os salões da burguesia porto-alegrense, ela é que lhe encheria a bolsa de contos de réis. Com o rendimento da padaria de Antunes, somado ao do seu açougue, Ramos poderia enfim frequentar os saraus requintados e apreciar a música que tanto amava, a música que o levava às lágrimas nos espetáculos do Theatro São Pedro. A música, sim. Quem sabe Ramos pudesse comprar um piano inglês, incrustá-lo no meio da sala, como já tinha visto nas casas dos ricos. Quem sabe ele até aprendesse a tocar. Sorriu com a ideia. Imaginou-se músico, participando de uma das apresentações do maestro Mendanha no São Pedro.
Mas, para isso, teria de dar cabo do padeiro gordo. Não seria difícil. Tinha tudo planejado. Atrairia Antunes para a sua casa, lhe fenderia a testa com o machado, o converteria em linguiça da boa. Passados alguns dias, casaria com Rosa. Também essa parte do plano estava bem amanhada. Meses antes, conseguira se aproximar de Rosa, valendo-se da ganância da mulher. Toda vez que ela ia ao açougue, Ramos comentava acerca de sua própria prosperidade, de como o açougue ia bem, das oportunidades que surgiam. Rosa se deliciava com assuntos financeiros. Falava da padaria, sobre os progressos que também ela e Antunes faziam, apesar da natureza pouco ambiciosa do marido.
Ramos não alimentava a menor dúvida: se providenciasse o desaparecimento do padeiro, em breve casaria com ela e tomaria conta da padaria. Catarina? Sem problemas. Continuaria morando na casa da rua do Arvoredo sob seus auspícios, seria sua teúda e manteúda. Estava tudo muito bem-alinhavado na sua cabeça.
Aliás, Catarina. Quem será que Catarina traria para alimentar o fio de seu machado? Quem seria o boi daquela noite? Ramos achou que ela demorava demais. Mantinha os ouvidos atentos a qualquer movimentação na casa. Assim que percebesse Catarina entrando com o gado, se enfiaria no armário e ficaria esperando. Sabia que, minutos depois, assistiria à loira sendo possuída por um estranho. Após a sessão de luxúria, Ramos desceria ao porão pelo compartimento secreto que ficava atrás do armário. A partir daí, era só esperar o sinal de Catarina, a batida do garfo contra o vidro do copo. E o alçapão seria acionado. A ideia já lhe rendia uma certa excitação.
Então ouviu um ruído estranho, vindo de dentro de casa. Parou de andar pelo quarto. Aguçou o ouvido. Prestou atenção. Não tinha dúvida. Alguém abrira a porta que levava ao porão.
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