Para quem acompanhou pela TV Senado a batalha de discursos em torno da aprovação da CPMF, a veemência de oposicionistas como Arthur Virgílio (PSDB-PR) ou o traquejo de Pedro Simon (PMDB-RS) resumiram o embate que marcou a derrota histórica do Palácio do Planalto.
Aos que tiveram a chance de presenciar os movimentos de dentro do acarpetado plenário azul, porém, a troca de farpas verbais foi só um dos elemento no conturbado cenário que avançou madrugada adentro nesta quinta-feira. Envoltos em um clima tenso, aguçado pelo ar abafado do plenário, cujo sistema de refrigeração não suportou o volume de pessoas no ambiente, 80 senadores — Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) foi ao enterro do governador de Roraima, Ottomar de Sousa Pinto, e não participou — travaram uma das mais tumultuadas sessões na gestão do governo Lula.
À frente dos governistas, Romero Jucá (PMDB-RR) e Ideli Salvatti (PT-SC) faziam a ponte entre o Planalto e o Congresso, passando aos ministros Guido Mantega (Fazenda) e José Múcio (Articulação Política), a todo momento, a temperatura do plenário com o avançar da hora e dos debates. O líder do governo na Câmara dos Deputados, Henrique Fontana (PT-SC), negociava — visivelmente sem sucesso — ao fundo com o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia. Discretos, Jucá e Ideli tratavam de circular.
Ora com Demóstenes Torres (DEM-GO), ora com Sérgio Guerra (PSDB-PE), os governistas lançavam propostas que variavam de prorrogação por apenas um ano e a realização da reforma tributária à aprovação por quatro anos e destinação total dos recursos à saúde. Tudo antes de a carta assinada pelos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e da Articulação Política, José Múcio, cair como uma bomba no plenário.
Quando Jucá usou a tribuna para abrir as propostas do governo e lançar, assim, a última jogada do Planalto à mesa, os copos de água dos senadores começaram a esvaziar com maior velocidade. Ânimos à beira do descontrole. Jornalistas agitados em busca do documento. O calmo senador Tião Viana (PT-AC) quase saindo aos tapas com Papaleo Paes (PSDB-AP), bem ao centro do plenário.
Arthur Virgílio batendo boca com o presidente Garibaldi Alves (PMDB-RN) e um falatório geral que formava uma massa ruidosa e caótica em plena 22h30 de quarta-feira. O ambiente piorava gradualmente com o avançar do relógio. A sessão, que começara ainda na parte da tarde, chegava ao fim do dia com todos os argumentos esgotados e os limites de tolerância à míngua. E o anúncio de uma proposta de acordo assinado por Lula, às vésperas da votação, poderia significar o começo do consenso ou da rebelião.
Com mais da metade dos senadores de pé, batendo boca ou pedindo a palavra, o líder Jucá descobriu rápido a tendência ao caos. A intenção de Jucá, que utilizou Simon como diplomata entre a oposição, era atestar se a carta de Lula teria chance de abrir um diálogo de última hora. Pendurado ao telefone ou caminhando pelo plenário, Simon reuniu argumentos para tomar coragem de propor o adiamento da votação por 12 horas, para que a carta de Lula fosse analisada.
- Está complicado, mas vamos permanecer em observação. Dependendo da temperatura, deixamos tudo para amanhã – dizia Jucá aos jornalistas.
Observando de perto, Torres zombava das esperanças do líder govenista.
- Finalmente o governo vai perder. Essa proposta não tem chão. É um monólogo do governo – provocava o democrata.
- Gostaria de saber quantas páginas tem a carta, para precisar de 12 horas para ser lida — alfinetava Heráclito Fortes (DEM – PI).
Temendo que a sessão descambasse para o ridículo, com os deboches da oposição frente ao governo esperneante, Jucá apressou-se a apelar pela manutenção do nível do debate.
— Fizemos uma proposta. Se não há possibilidade de acordo, então vamos votar sem descuidar com o nível — apelou o líder.
Aos jornalistas, Jucá já tinha explicado a estratégia: “dar carne para a onça” entregando a CPMF à derrota, para depois aprovar a prorrogação até 2011 da Desvinculação das Receitas da União (DRU). Entre um ou outro pronunciamento evasivo de senadores periféricos, o presidente Garibaldi Alves ergueu a voz lançando excitação no plenário.
— Em votação — anunciou Alves.
Todos os votos do governo estavam no plenário e, mesmo assim, eram insuficientes. O Planalto calculava em 46 os votos favoráveis. Para prorrogar a CPMF eram necessários 49. Até Roseana Sarney, em uma cadeira de rodas, apareceu diretamente do hospital para votar. Como a discussão continuava tensa, a senadora se retirou do plenário logo após chegar. Foi levada por uma assessora à sala do cafezinho do Senado, onde dormiu até o momento da votação.
Jornalistas e senadores agitados. Os seguranças, até então recostados com visíveis sinais de cansaço, retomaram os postos. Câmeras e máquinas fotográficas preparadas. Na parte superior, repórteres transmitiam ao vivo o cada vez mais provável resultado, terminando com a derrocada do imposto e do governo que conseguiu 45 dos 49 votos que precisava. Tudo quando o relógio já marcava 1h37 de quinta-feira e ao centro do plenário democratas e tucanos festejavam os 34 votos obtidos contra a prorrogação do imposto do cheque.
Postado por Robson Bonin
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