Um dia você falará sobre Índio com os seus netos. Talvez a falta de um distanciamento histórico impeça os colorados de perceberem que neste domingo, diante do Peñarol, uma lenda do Inter começará a se despedir do clube. Aos 39 anos, o zagueiro vive os seus últimos momentos de Beira-Rio. O vínculo de 10 temporadas de Índio com o Inter se encerrará com o final da Copa do Mundo. A chance de uma nova prorrogação dependerá de um pedido especial de Abel Braga. Mas não pode ser descartado – mesmo que não seja escalado desde 5 de fevereiro, quando o Inter bateu o Pelotas na Boca do Lobo.
- No meu Inter de todos os tempos, a dupla de zaga é formada por Elias Figueroa e Índio – responde de pronto o ex-presidente Fernando Carvalho.
Foi no segundo mandato de Carvalho que a história entre Índio e Inter teve início. Era um período no qual o Juventude ainda se transformava em um gigante diante do Inter e o resultado do confronto muitas vezes acabava com derrota colorada. E Índio era uma muralha verde diante dos atacantes do Inter. Em meados de 2004, assinou um pré-contrato com o Beira-Rio. Se apresentou ao final do ano, estreou em janeiro de 2005, contra o Esportivo, em Bento Gonçalves.
- Índio sempre foi um dos responsáveis pela touca verde naqueles tempos. Ele tem aquele jeitão caipira, interiorano, quase simplório e desde o início conquistou a todos no Beira-Rio. Índio é um mito do Inter – segue Carvalho.
Do atual elenco, ninguém chega perto do tempo que o camisa 3 tem de casa. Com 387 partidas pelo Inter, ele ocupa a nona colocação entre os atletas que mais atuaram pelo clube. Se é impossível chegar perto dos 803 jogos de Valdomiro, o número 1 da do Top 10 colorado, ele superou em jogos nomes como Bráulio, Carlitos, Figueroa, Taffarel, Clemer, e está a seis partidas de ultrapassar Paulo Roberto Falcão, o oitavo colocado nesse histórico rol.
- Olho para trás e me emociono. Voltei chorando do voo de Yokohama, após o Mundial. Sei que não falo direito, fiz somente até a terceira série, pois precisei ajudar a família. Aos nove anos, saí da escola e comecei a vender sorvete na minha cidade. Nem em sonhos imaginei construir essa carreira e vencer todos esses títulos com o Inter – conta Índio.
De cortador de cana no interior paulista a multicampeão com o Inter, a vida do zagueiro poderia virar livro. Algo como de Maracaí (a sua cidade natal, tão pequena que a população teria dificuldades em lotar o Estádio do Vale) a Yokohama, passando por Caxias, Rio, São Paulo, La Plata, Guadalajara, Munique, Dubai, entre outras cidades mundo afora. O apelido foi dado pelos amigos, aos 13 anos, já nos tempos de bóia-fria, devido aos cabelos compridos e ao rosto vermelho, queimado do sol. O futuro de seus filhos, Marquinhos e Gabriela, já está garantido. Aos 13, Marquinhos não precisa cortar cana como o pai. Joga nos infantis do Inter, como meia-atacante.
- Este, sim, ao contrário do pai, joga muito – brinca Índio.
Dono de uma energia fora do comum, Índio contabiliza 33 gols pelo Inter – seis deles em Gre-Nais. É o zagueiro que mais gols fez pelo Inter, superando Figueroa, até então o maior artilheiro da zaga colorada.
- Todo o gol de zagueiro é lindo. Mas o mais bonito foi o que fiz contra o Paraná (pelo Brasileirão de 2006, Inter 3×2 Paraná), meio sem querer, mas uma pintura – descreve.
Entre os grandes amigos que fez no Inter estão Abel, Fernandão, Eller, Perdigão, Tinga, Nilmar e o atual gremista Edinho.
- Abel sempre foi um paizão para mim. Talvez por ter sido um zagueiro de Seleção Brasileira, foi ele quem melhor me ensinou o posicionamento – afirma Índio.
Ainda que não esteja entre seus amigos pessoais, Índio tem em Elias Figueroa um admirador.
- Índio tem uma grande carreira pelo Inter, superou todas as expectativas que clube e torcida tinham. O guerreiro merece descansar, já está na história do Beira-Rio – diz Figueroa. – Acho que formaríamos uma bela dupla de zagueiros-goleadores: Índio e Figueroa – acrescenta o xerife do bicampeonato brasileiro.
Homenagens e títulos à parte, Índio ganhou quase tudo pelo Inter. Menos a Copa do Brasil e o Brasileirão. Índio lembra que “bateu na trave”, saindo vice-campeão nacional em quatro oportunidades: no polêmico Brasileirão de 2005, no de 2006 e no também inusitado final de 2009 – além da Copa do Brasil daquele mesmo ano.
- Quero muito encerrar a carreira no Inter, mas não quero encerrar agora. estou cheio de saúde e de alegria para jogar. Vou até os 40 anos fácil, fácil. Ainda me falta ganhar o Brasileirão e a Copa do Brasil com o Inter. Quem sabe não ganho esses dois títulos neste ano? – adverte o veterano zagueiro.
Com o futuro ainda incerto, por via das dúvidas, quando Índio deixar o gramado do novo Beira-Rio, neste domingo, o torcedor se levantará e o aplaudirá de pé. É parte da história viva do Inter que estará em campo.