Ricardo Stefanelli, Diretor de Redação de Zero Hora.
Em um jornal repleto de espaços para a opinião, costumo me ater a assuntos da Zero Hora ou do jornalismo em geral nesta Carta dominical – o que não farei hoje.
Também tenho o hábito de tentar conversar com o leitor aos domingos sobre assuntos não abordados em outros espaços do jornal – o que não farei hoje.
Preciso deixar registrada em ata também a minha contrariedade com o apequenamento de nosso Estado, pois uma das missões de Zero Hora é justamente valorizar o Rio Grande.
O golpe sofrido na quinta-feira, emitido desde Zurique, não surpreende, pois a própria Zero Hora antecipou o risco na edição de 19 de agosto e deu em primeira mão em 14 de outubro que Porto Alegre estava fora das sedes da Copa das Confederações, que se realiza no Brasil um ano antes da Copa do Mundo. A diferença é que o estrago desta vez pode ser medido em números – o que estamos tentando mostrar no caderno Dinheiro encartado nesta edição.
A perda de um evento de tamanho porte, e o nosso papel secundário na Copa de 2014,não é culpa do Inter, nem da Andrade Gutierrez, não é do governo do Estado, nem da prefeitura. Não é culpa da CBF nem da Fifa, muito menos da presidente Dilma. Esse é o problema. Não é culpa de ninguém. É consequência de um processo que se iniciou não se sabe exatamente quando, nem movido por quem especificamente. O culpado é essa nossa cultura fracionada, que não é solidária nem no câncer nem no churrasco de domingo.
Que a CBF está descontente com o Inter desde o episódio que culminou no racha do Clube dos 13, até o cimento do Beira-Rio sabia, mas precisava a direção se mostrar tão indecisa e dividida a ponto de facilitar a decisão do Comitê Organizador Local? Que a Fifa prefere um número reduzido de sedes em vez das 12 atuais, é de conhecimento geral, mas precisava Porto Alegre ajudá-la neste intento de cortar uma ou duas? Que as decisões da Fifa e da CBF também são políticas, também as crianças sabem, mas não era o caso de ter agido então politicamente mais cedo? É revelador o contraste com a concorrente Fortaleza: na disputa pelo protagonismo no evento, o secretário especial da Copa daquele Estado transferiu toda a sua equipe para dentro do estádio Castelão. É um símbolo eloquente.
É sabido também que, para a construtora – que nem se dá o trabalho de conceder uma entrevista para dar explicações consistentes sobre uma obra de alto interesse público –, o Beira-Rio é apenas mais um e pequeno de seus empreendimentos pelo mundo: a empresa parece pouco se importar com o prejuízo econômico do Estado.
Todas as entrevistas depois dos chochos anúncios de quinta-feira bateram na mesma tecla: todos fizeram a sua parte. Fizemos?! É fazer a nossa parte entregar de bandeja a redução econômica do Estado para outras unidades da federação? Ao longo das décadas, temos perdido indústrias para outros Estados, assistimos silenciosos à queda gaúcha nos rankings de educação e de qualidade de vida. Não faz mal, pois temos o mais belo pôr do sol do mundo e nos estufamos ao cantar em uníssono o Hino Rio-Grandense.
Num jantar com juízes na quinta-feira, ouvi de um magistrado a repetição daquela estatística que mostra que 24,5% das causas em forma de recurso que chegam ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) partem do Rio Grande do Sul, que tem 5,6% apenas da população do país. Esta contabilidade embute uma saudável busca pelos direitos, mas também carrega este comportamento litigioso que nos marca desde a época em que mal o Brasil tinha declarado sua Independência.
Perder a Copa das Confederações não é um desastre sem volta, mas nunca antes os números dos estragos ficaram tão visíveis, como revela o caderno Dinheiro especial de hoje. Se deixarmos escapar também a Copa de 2014,sugiro celebrarmos na Avenida Goethe mais esta façanha, de modelo a toda terra.