“Porque Alegre é hoje uma cidade dividida. Tu tens, do lado de cá da ponte, uma cidade de costas para o rio, onde a natureza é um gigante a ser transposto em nome do desenvolvimento.
E eu pude ter contato com esses pescadores, com essa comunidade que, do outro lado da ponte, vive de frente para o rio e tira dele o seu sustento. Do nosso lado, a gente tem um muro separando a cidade do rio”.

Assim reflete o fotógrafo Cristiano Sant’Anna, após passar 18 meses – desde janeiro de 2013 – documentando o cotidiano nas comunidades de pescadores localizadas no conjunto de 16 ilhas formado pelo Delta do Rio Jacuí. O resultado se traduz em Arquipélago, título da exposição fotográfica que segue até o dia 18 de outubro na sala O Retrato do Centro Cultural CEEE Erico Veríssimo e também de seu primeiro livro individual.

Inconformado com a relação esporádica e superficial que matinha com os moradores do Arquipélago – quando trabalhava em jornais diários e fotografava apenas a pobreza e as enchentes sazonais – Sant’Anna queria ver essa realidade de perto. “A gente quase que vai roubando uma foto, correndo porque tem um deadline, tem que produzir a matéria de um dia para o outro. Eu sempre tive vontade de me aprofundar muito mais naquela região ali“, observa.

“Eu classifico esse livro como um conjunto de histórias. São histórias dentro da História“. Entre elas, Sant’Anna destaca o dia em que, no mês de maio de 2013, encontrou o pescador Elton com a casa alagada e pensou: “Putz, o cara tá ferrado agora“. Sem ter muito o que fazer para ajudar, indagou: “E agora?“. Eis que o sábio pescador responde: “Isso aqui é maravilha. Desse jeito o rio fica mechido e o peixe vem quase dentro de casa“.
_ Tá, mas não vai alagar a tua casa?
E ele respondeu: “Não, a minha casa eu já construí alta para isso mesmo”.

O fotógrafo acredita que “o contato com esse modo de vida muito simples, onde as pessoas vivem apenas com aquilo que elas precisam, vai acabar permeando todos os meus próximos trabalhos” – Sant’Anna vem trabalhando em Quase Paisagem, na Reserva do Taim, e também está em fase de captação de um outro projeto na Cracolândia, em São Paulo.
E finaliza:
“O Robert Capa dizia que ‘você precisa gostar das pessoas e deixar que elas percebam que você gosta delas’. Ele é um cara que fazia isso. E eu acho que é simples assim“.




