
Novo médico: a foto oficial da formatura de Augusto Sartori em 1941. Foto: acervo de família, divulgação
A festa foi no último sábado, dia 30, mas a data oficial é hoje. Há exatos 100 anos, em 4 de junho de 1915, nascia Augusto Caetano Sartori, seguramente o médico mais antigo de Caxias do Sul. Difícil mapear a trajetória de um século em apenas uma coluna, mas alguns episódios marcantes merecem destaque nesse dia tão especial.
Natural de Porto Alegre, seu Augusto formou-se clínico geral em 1941, pela Universidade Federal do Paraná. Após um período atuando em Bento Gonçalves e no município de Videira (SC), chegou a Caxias em 1942.
Em plena Segunda Guerra Mundial, o médico desembarcou na cidade para prestar o serviço militar no antigo 9º Batalhão de Caçadores – inicialmente na 2ª Companhia, como soldado raso, e posteriormente no Pelotão Sanitário, como padioleiro, devido à sua formação. O período previsto era de seis meses, mas após o Brasil romper com os países do Eixo, em 1942, Sartori viu-se obrigado a permanecer na caserna até o fim do conflito, em 1945.
São dessa época alguns episódios pitorescos, como quando ele costumava atender aos pacientes devidamente fardado. Em uma dessas chamadas, chegou à casa onde estava hospedada uma resfriada atriz Maria Della Costa. “Eu chamei um médico, não um soldado”, teria dito a jovem florense, ao enxergar Sartori.
Outro incidente inusitado ocorreu entre as mesas do antigo Café América, defronte à Praça Dante Alighieri. De uniforme militar e usando o tradicional anel verde esmeralda dos graduados em Medicina, foi interpelado por um frequentador da casa, que estranhou um soldado com tal adorno entre os dedos: “O senhor sabe o que este anel significa?”, teria questionado o homem.
Foi a deixa para Sartori tirar não a farda, mas o anel. E nunca mais usá-lo.
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Início de carreira: Sartori (em pé, ao centro, de terno escuro) com amigos no antigo Caxias Hotel (atual Hospital Saúde), onde morou em meados dos anos 1940. Foto: acervo de família, divulgação

Julho de 1944: os padrinhos Augusto Sartori (fardado, ao centro) e Heleda Farina (com o bebê) durante a festa do batizado de Liane Basso, filha de Ione e Danilo Basso. Em pé, à esquerda, Angelo e Estácio Zambelli. Foto: acervo de família, divulgação

O soldado Sartori e a futura esposa Heleda (sentada ao centro) durante o batizado da afilhada Liane Basso, em julho de 1944. À esquerda, os pais Danilo e Ione Basso. À direita, Annunzia Zambelli e Antonio Basso. Foto: acervo de família, divulgação

Entre amigos em 1941: Sartori entre o músico Reinaldo Vergês (E) e o médico Casimiro Twardowski. Foto: acervo de família, divulgação

Tempos de caça: Sartori, as aves, o cão e o calhambeque em meados dos anos 1940. Foto: acervo de família, divulgação
No consultório
Nos primeiros tempos do consultório instalado na Av. Júlio de Castilhos, entre as ruas Garibaldi e Visconde de Pelotas, coube à esposa Heleda Farina a função de secretária e auxiliar. Como “não sabia cobrar dos pacientes e clinicava por paixão”, Sartori teve na mulher a responsável por cuidar das finanças.
Em entrevista ao Pioneiro em 2011, por ocasião da caótica greve dos médicos de Caxias, o profissional recordou da medicina em “sua época”:
“Era comum eu trabalhar até a meia-noite na minha clínica, no hospital, nos sindicatos. Eu levantava de madrugada, de duas a três vezes na mesma noite. Minha mulher ficava em casa esperando eu voltar de um atendimento para aproveitar o mesmo táxi e ir trabalhar. Atendíamos a domicílio”.
Já em meados dos anos 1950, o médico firmou sociedade com os colegas Bruno Serafini, Jorge Sehbe e Roberto Torelly, mais os doutores Faccioli e Bortolucci, para gerir o Hospital Del Mese.
Após 30 anos atuando como clínico e cirurgião geral, seu Sartori migrou para a obstetrícia – integrou, juntamente com os colegas José e Walter Brugger, Benno Winkler, Jean Mailard, João Manoel Britto, Marco Túlio Zanchi e Farjala Catan, o primeiro plantão obstétrico do Hospital Pompéia, em 1968.
E foi auxiliando na chegada de centenas de outras vidas que ele se aposentou, no início dos anos 2000.

Almoço no Caxias Hotel: Sartori, a esposa Heleda e a recém-nascida Regina Sartori Bellini (no colo), em 1947. Foto: acervo de família, divulgação

Sartori e a filha Regina: passeio de barco no final dos anos 1940. Foto: acervo de família, divulgação

Centenário: Sartori e a filha Regina Bellini durante a festa em família, realizada no último sábado (30). Foto: Flavia Bellini, divulgação
Em família
O casamento com a jovem Heleda Farina, a dona Leda, ocorreu em 2 de maio de 1945, em Bento Gonçalves. Da união nasceu a única filha do casal, Regina Sartori Bellini, em 1946.
Avô de três netos (Cristina, Flávia e Alexandre) e cinco bisnetos (Victoria, Maria Eduarda, João Augusto, Clara e Bruno), seu Sartori também integra atualmente um grupo conhecido como a Turma dos Kaducos.
São mais de 30 amigos que, mensalmente, se reúnem para um almoço ou jantar – entre eles estão Sedenir Tauffer, Mario Santos, Humberto Polesso, Paulo Cancian, Plinio Rossi, Osvaldo Ferreira e Sergio Cesa.
De caducos, porém, eles não têm nada. Durante a entrevista para esta coluna, seu Sartori profetizou: “se chegar nos 100, vou zerar a minha vida”.
Começar do zero, pelo visto, é algo recorrente. Nos últimos tempos, nosso aniversariante deu início ao aprendizado do violão, agora um parceiro constante. O repertório?
- Só violão clássico…

Clássicos nas cordas, uma prática constante de seu Augusto Sartori. Foto: Rodrigo Lopes, Agência RBS

Concentração, disciplina e muito estudo: a receita de seu Sartori para “fazer bonito”. Foto: Rodrigo Lopes, Agência RBS
Nas alturas
Na foto abaixo, seu Augusto Sartori em meados dos anos 1940, quando tirou o brevê no Aeroclube de Caxias do Sul. Sartori (à direita) aparece junto ao instrutor de vôo Assis Piccoli e ao amigo Orestes Peruffo (ao centro).
Detalhe: ele pilotou até os 77 anos, quando a esposa “obrigou-o” a vender o avião da família.

No Aeroclube de Caxias do Sul: Sartori (à direita) com o lendário instrutor de voo Assis Piccoli e o amigo Orestes Peruffo (ao centro), em finais dos anos 1940. Foto: acervo de família, divulgação

Na estrada: Augusto Sartori durante uma viagem no final dos anos 1950. Foto: acervo de família, divulgação
Na infância
Parte das imagens desta página integra o vasto acervo disponibilizado pela família. Abaixo, por exemplo, temos alguns raros registros da infância, com os irmãos João e Adiles.
Identificando o acervo
Dono de uma memória invejável, seu Sartori prontamente ajudou a identificar grande parte das fotos disponibilizadas neste post.
Lupa em mãos, repassou um século de vida durante três horas de conversa, lembranças, conselhos e muitas… muitas histórias.
Nem todas puderam ser contadas aqui, mas novas colunas servirão para isso… Aguardem!

Coleção de lupas: identificação das fotos para a reportagem foi um dos momentos mais prazerosos da entrevista. Foto: Rodrigo Lopes, Agência RBS

Memória afiada: concentração para identificar quem é quem nas centenas de fotos do acervo. Foto: Rodrigo Lopes, Agência RBS
O centenário
A festa dos 100 anos, logicamente, teve música, uma das paixões do aniversariante. O repertório destacou boleros e clássicos românticos dos anos 1940, 1950 e 1960.
Caro Rodrigo,
Belíssima a matéria sobre o Dr. Sartori.
Homem íntegro, humano, um dos luminares da medicina em Cxs.
Uma vida plena de realizações. Esta, sem dúvida, seja a sua melhor receita médica a ser seguida. ” Um dom da eterna juventude”
Pelo conjunto da obra,um centenário para ser comemorado ao som de violão clássico de Turibio Santos Santos “Choro Nº1 do Villa-Lobos”.
Bravo Dr.!!!!!
Parabéns extensivo aos familiares.
Alexandre Frigeri
Bela reportagem! Vamos aguardar a continuação…Como integrante da Confraria dos Kducos, fico feliz em ver nosso confrade maior em constante aprendizado! Um exemplo!
Estou encantada com Dr.Sartori! Não o conheço, mas meu pai Angelo Zambelli era amigo dele, e aparece uma das fotos da reportagem. Parabéns para ele!
Quanto orgulho de ter um tio que só fez coisas boas! Que Deus o abençoe. Sua sobrinha Arlene e familiares.
Doutor Sartori, uma pessoa incrivel.Muitas coisas eu teria para falar dele.Um colega de trabalho maravilhoso e um medico exemplar. Foi o obstetra que me acompanhou e em cujas maos nasceu a Sandra, nossa filha caxiense. Um abraco carinhoso. Familia Santini