Reproduzo, a pedido, o comentário na edição da versão impressa do DC:
Premiado no Festival de Cinema de Roma, o filme Na Natureza Selvagem (Into the Wild) narra uma história verídica, ocorrida em 1992 com o recém-formado Chris McCandless. Inconformado com as brigas dos pais, decidiu partir para uma aventura solitária no Alaska.
Dirigido por Sean Penn, o drama tem uma fotografia exuberante. McCandless morre aos poucos, após ingerir, por equívoco, uma planta venenosa. Seu diário relata, então, o grande sonho de retornar ao convívio familiar. Sentencia: “A felicidade só existe quando é compartilhada”.
A trágica façanha do jovem americano e os pensamentos que deixou para a história dizem muito para estes dias de sofrimento vividos pela população de Santa Catarina. Sobretudo, do que as famílias e os amigos podem fazer neste momento para minorar a dor dos flagelados.
Esta inundação é diferente das anteriores. Muito mais devastadora. As enchentes tradicionais invadiam os lares, mas, quando as águas baixavam, começava a limpeza.Aos poucos, os móveis, eletrodomésticos e bens materiais perdidos, iam sendo renovados. A calamidade atual também destruiu aquilo que foi adquirido com muito trabalho, suor e lágrimas de milhares de trabalhadores, especialmente em Itajaí.
É impossível avaliar a dimensão do infortúnio das milhares de famílias que perderam tudo, incluindo casas e até os terrenos, em Blumenau e vários municípios. As emissoras de televisão exibem todos os dias depoimentos comoventes dos que perderam parentes e amigos, do que ficaram só com a roupa do corpo e, desesperados, não sabem por onde começar.
É a estes desabrigados que devem ser voltadas todas as atenções das autoridades, das instituições e da cidadania. Salvação de vidas em primeiro lugar, assistência alimentícia e à saúde num segundo momento. E, ao mesmo tempo, uma palavra de conforto e, em especial, uma luz que lhes mostre o caminho da reconstrução.
A casa, definitivamente, o bem material mais precioso a preservar, com a saúde, a união da família e o convívio com os amigos. E ali que todos preservam a memória.No álbum de fotografias, nas obras de arte nas paredes, nos bens que deram conforto para esposa e filhos, nas peças raras herdadas dos antepassados, dos livros preciosos guardados nas prateleiras, no presente recebido da esposa ou do marido numa celebração, nos discos com seus cantores e orquestras preferidos, nos souvenirs das enriquecedoras viagens, nos diplomas que comprovam desempenhos profissionais e intelectuais. Enfim, numa sucessão de preciosidades pessoais e familiares que, de repente, e desaparecem, arrancadas pela violência das águas e soterradas pela força da lama.
Prefeituras têm a promessa das autoridades de verbas para a recuperação dos municípios. Órgãos públicos afetados contarão também com os necessários recursos. Mas — esta é a grande questão que fica para ser resolvida nesta calamidade — e como se dará a reconstrução das famílias? Quem vai assegurar-lhes um novo terreno? Em que área? E o dinheiro para construção de uma nova casa? Ou para repor, mínimamente, o que foi tragado pelas cheias?
Os 27.470 desabrigados deste infortúnio que a todos comove, não tem o que comer, nem o que vestir. Não tem onde abrigar seus filhos. E, tragédia maior, perderam seus lares e até seus endereços. Como jovem McCandless, o sonho de todos eles agora é voltar para casa.
Postado por Moacir Pereira, Florianópolis