Prefeitura de Florianópolis derruba liminar que determinou realização de novas audiências do Plano Diretor
30 de abril de 2014 11A Desembargadora Federal Marga Inge Barth Tessler, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), acaba de suspender a decisão da Justiça Federal de Florianópolis que havia determinado a realização de novas audiências públicas para debater o Plano Diretor aprovado no início do ano pela Câmara de Vereadores.
A magistrada acatou os argumentos da Procuradoria-Geral do Município e entendeu que a houve “invasão à competência legislativa municipal” na decisão da Justiça Federal de Florianópolis. Em seu recurso, a Prefeitura ainda demonstrou que o Plano foi exaustivamente debatido com a comunidade e que sua aprovação na Câmara atendeu a todos os requisitos legais.
Com a decisão, o Plano Diretor volta a valer na sua integralidade, afirmou o procurador-geral Julio Cesar Marcellino Júnior.
Segue abaixo a íntegra da decisão:
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Município de Florianópolis em face de decisão que recebeu apelação somente no efeito devolutivo (evento 96 da ação civil pública 5021653-98.2013.404.7200/SC), nos seguintes termos:
‘Recebo o recurso de apelação veiculado pelo Município de Florianópolis apenas no efeito devolutivo. Com efeito, como bem exposto na sentença, é público e notório que o processo de aprovação do Plano Diretor ocorreu de forma apressada, sem a participação da comunidade. Assim sendo, o que ocorreu na prática foi a liberação para a construção em áreas de preservação permanente pertencentes à União.
Além disso, o Sindicato da Indústria de Construção de Florianópolis veio a este Juízo comunicar que nos últimos dois meses nenhuma consulta de viabilidade de construção foi aprovada pelo Município, demonstrando que um Plano Diretor sem a participação da comunidade está acabando por prejudicar o desenvolvimento econômico do município. Assim, faz-se necessário o imediato cumprimento da sentença, a fim de que sejam sanadas falhas resultantes da inexistência de participação comunitária, que estão a prejudicar o desenvolvimento econômico da cidade.
Neste sentido, haverá prejuízos irreparáveis ao meio ambiente e ao desenvolvimento econômico da cidade se a sentença não for obedecida imediatamente, já que o Plano Diretor, da forma como foi aprovado, está a inviabilizar o desenvolvimento econômico da capital.
Isto posto, intime-se novamente o Município de Florianópolis para que cumpra o determinado na sentença no prazo improrrogável de 30 dias, sob pena de ter que pagar a multa cominada e sob pena de o Prefeito ser processado por improbidade administrativa.
Intime-se o Ministério Público Federal para que apresente contra razões ao recurso de apelação do Município de Florianópolis.
Florianópolis, 08 de abril de 2014.’
Alega o agravante que a pretensão que visa ao trancamento da tramitação, apreciação e votação do Projeto de Lei do Plano Diretor de Florianópolis, bem como sua sanção pelo Prefeito, além da adoção de medidas efetivas para a concretização da participação popular na elaboração do referido projeto, não merece prosperar. In casu, estando votado pelo Legislativo e sancionado pelo Chefe do Executivo Municipal o projeto de Lei em questão, que culminou na Lei Complementar nº 482, de 17 de janeiro de 2014, caracterizada está a perda do objeto, devendo a referida Lei ser impugnada, caso haja interesse, por meio de Ação Indireta de Inconstitucionalidade, pois não cabe ação civil pública contra lei em tese. Assim, flagrante a perda do objeto, que acarreta a ausência de interesse processual, condição da ação que leva à extinção do processo (CPC, artigo 267, VI), requer o recebimento da apelação no duplo efeito. Aponta que a União e o MPF são partes ilegítimas na demanda, o que conduz ao reconhecimento da incompetência absoluta. Diz também que a Câmara de Vereadores da cidade de Florianópolis deve ser litisconsorte passiva necessária.
No mérito, diz que a participação popular no projeto de lei em discussão foi respeitada através de uma série de medidas legitimadoras de todo o processo de elaboração da lei, que se iniciou em 2006. Citou casos de participação popular na discussão do projeto, através de seminários e reuniões, que foram realizadas em todos os principais distritos e bairros da cidade e também com todas as entidades públicas e privadas representativas da sociedade. Argumenta que obstaculizar a produção de efeitos da Lei Municipal nº 482/2014, sem a comprovação de qualquer ofensa ao processo de sua aprovação, ensejaria nítida interferência do Judiciário nas atribuições constitucionais do Poder Legislativo. Diz que a relevância das questões discutidas enseja o recebimento da apelação no duplo efeito, eis que existem riscos de prejuízos irreparáveis ao Município caso persista a insegurança jurídica sobre a lei do Plano Diretor. O perigo na demora na concessão do efeito suspensivo à apelação também é flagrante, havendo, com isso, prejuízo no desenvolvimento econômico do Município, sendo urgente o provimento que suspensa sua eficácia para que o Plano Diretor aprovado possa surtir seus efeitos, regularizando as atividades municipais.
Requer a antecipação da tutela recursal.
É o relatório. Decido.
O MPF ajuizou a presente ação civil pública contra o Município de Florianópolis e a União, com o objetivo de determinar à Câmara de Vereadores a devolução do Projeto de Lei do Plano Diretor ao Poder Executivo Municipal (obrigação de fazer), bem como seja determinado à Prefeitura (obrigação de fazer) que proceda à oitiva devidamente informada da população para elaboração do texto final que deverá ser novamente encaminhado ao Legislativo após identificação e a apresentação das diretrizes resultantes do processo de participação popular nos Distritos e no Núcleo Gestor municipal, bem como das propostas específicas do Executivo, a serem analisadas em 13 audiências Distritais e em audiência geral (amplamente divulgadas com atendimento aos prazos previstos regularmente), esta última a ser coordenada em conjunto entre a Prefeitura e o Núcleo Gestor do Plano Diretor Participativo de Florianópolis. Requereu também fosse condenada a União a orientar e fiscalizar o estrito cumprimento da Lei do Estatuto da Cidade e das Resoluções relacionadas ao processo participativo para elaboração do Plano Diretor de Florianópolis – obrigação de fazer -, adotando as providências extrajudiciais e judiciais necessárias para tanto. Requereu também a fixação de multa pelo descumprimento da medida.
Em decisão do evento 19 da ACP, o pedido de antecipação de tutela formulado pelo autor da ação foi deferido.
Sobreveio sentença julgando procedente o pedido. Fixou multa de 10.000.000,00 (dez milhões de reais) para a hipótese de descumprimento da sentença, salientando que o Prefeito Municipal incorrerá em improbidade administrativa em caso de descumprimento.
Pois bem.
A questão urbanística é tratada pela Constituição Federal nos artigos 21, IX e XX, 30 e 182 e dá conta da necessidade de criação de planos urbanísticos e atenção à função social e ambiental da propriedade.
Cabe ao município legislar sobre o direito urbanístico local (art. 30, VIII, CF). O Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001, comete ao município a política de desenvolvimento urbano e o plano diretor deve ser aprovado pelo legislativo municipal, a câmara de vereadores. Como se vê, a União, ré na ação, dificilmente terá o que fazer quanto ao processo legislativo municipal, tampouco, neste momento, o Poder Judiciário Federal.
Neste quadro constitucional e normativo, sem enfrentar as demais questões envolvidas na ação civil pública em epígrafe e considerando que, acaso inobservada a Constituição Federal e a legislação federal pertinente, a lei instituidora do Plano Diretor de Florianópolis poderá ser fulminada em ação específica, considerando ainda que se alega na inicial a violação do princípio da participação popular, pois as audiências públicas teriam sido realizadas de forma apenas formal, a sentença, coberta de bons propósitos, investe contra a tramitação e votação do Plano Diretor, impedindo o normal exercício do devido processo legislativo pelo poder competente (art. 2º, CF), investindo de igual modo sobre o poder sancionatório do executivo municipal. Nessa seara especialíssima é apreciável uma certa contenção judicial.
Assim, verifico presente a verossimilhança da alegação de invasão à competência legislativa municipal, além do perigo de dano de difícil reparação ao devido processo legislativo, que se vê impedido de operar, retardando-se ainda mais a difícil tarefa de construir um plano diretor atualizado e necessário a regrar aspecto vital para a existência da comunidade. Neste momento, impõe-se assegurar o normal exercício dos poderes municipais.
Ante o exposto, defiro o pedido de antecipação da tutela recursal de agravo de instrumento para o fim de atribuir efeito suspensivo ao recurso de apelação apresentado no evento de nº 92 da ação originária.
Intimem-se, sendo que o agravado aos fins do artigo 527, V, CPC.
Porto Alegre, 29 de abril de 2014.
Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Relatora