O juiz Alcides Vetorazzi, da VAra Federal de Florianópolis, concedeu liminar em mandado de segurança impetrado pelo Sindicato das Indústrias de Laticínios e DErivados de Santa Catarina determinando o desbloqueio das rodovias federais e estaduais pelos caminhoneiros em greve. Fixou multa de 10 mil reais pelos motoristas que descumprirem a decisão.
Veja a decisão judicial:
“No plano fático, o que se vê são caminhoneiros autônomos reivindicando, basicamente, redução do preço do óleo diesel e fixação de preço mínimo de frete. O Governo Federal não aceita reduzir o preço do diesel – majorado em face da elevação da tributação federal – porque precisa fazer frente às prementes necessidades de caixa do Tesouro Nacional. Não fixa preço mínimo de frete porque não tem competência para tanto eis que a livre iniciativa – economia de mercado – é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito encartado na Constituição Federal de 1988.
O fracasso da política econômica implementada nos últimos anos aliada a um constante aumento de gastos federais produziu estagnação do crescimento do PIB redução de arrecadação e necessidade de readequação de gastos à nova realidade econômica – deprimida – do País. Todos serão onerados com o aumento de tributos embutidos no pacote fiscal recentemente lançado. Caminhoneiros não aceitaram o encargo que lhes foi endereçado via aumento do preço do diesel e, frustrados com a fraca demanda de frete, não conseguem preço adequado para repassar esse custo adicional o que lhes causa diminuição da renda necessária à existência digna. Daí os bloqueios.
No plano jurídico, se tem uma disputa entre três direitos fundamentais: (a) livre expressão/manifestação exercitados pelos caminheiros nas rodovias (CF: 5°, IV), (b) livre locomoção (ir e vir) pleiteado pelo Sindicato (CF: 5°, XV) e (c) livre exercício da atividade econômica vindicado pelo Sindicato (CF/88: 170, p.u.).
a1) É livre manifestação do pensamento (CF: 5°, IV) e todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público independentemente de autorização sendo exigido apenas prévio aviso à autoridade competente (CF: 5°, XVI). As rodovias são bens de uso comum do povo e para nelas transitar não há necessidade de consentimento estatal específico para esse fim. Daí que paralisar veículos sobre a pista sem prévio aviso da autoridade policial rodoviária constitui ato ilegal e abusivo mormente se obstruir os dois lados da pista impedindo a circulação – o direito de ir e vir -. Se se barrasse apenas um dos lados da pista deixando espaço para circulação – ainda que lenta – dos veículos de passeio, ônibus, ambulâncias, veículos transportadores de bens perecíveis (leite, ração, verduras, frutas, etc.) ainda se poderia relevar a conduta mesmo ausente a autorização estatal. É que, ad instar do operário que chega ao trabalho e desliga a máquina em sinal de irresignação ou greve, o caminhão é o instrumento de trabalho do caminhoneiro e a estrada seu chão de fábrica, parecendo razoável admitir-se possa ele exercitar suas manifestações a partir desses bens de uso comum do povo (rodovias). Conclusão: os caminhoneiros têm direito garantido de manifestação ainda que sobre rodovias resguardadas as cautelas antes descritas. A obstrução pura e simples, e o impedimento de circulação de veículos não participantes do movimento, travestem o direito em ato ilícito ilegal e abusivo cabendo à autoridade policial coibir o uso anormal utilizando, se necessário, a força.
b1) É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo, qualquer pessoa nele entrar, permanecer ou sair (CF: 5°, XV). É pela locomoção que o homem externa um dos aspectos fundamentais de sua liberdade física no dizer de Celso Ribeiro Bastos. Daí que ato de particular (caminhoneiros) obrigando terceiros a estacionar e participar do movimento à força configura ilícito a ser coibido pela autoridade policial rodoviária.
c1) É livre, e assegurado a todos, o exercício de qualquer atividade econômica (CF: 170, p.u.). A ação de caminhoneiros bloqueando rodovias e impedindo a circulação de caminhões de coleta de leite e de caminhões de entrega de leite e derivados aos supermercados constitui cerceamento à atividade econômica por terceiros e reclama imediata repressão de parte da autoridade competente, no caso, da autoridade policial rodoviária. A inicial descreve a impossibilidade de chegar aos proprietários rurais e granjeiros para coletar o leite in natura e para levar rações às vacas leiteiras. Ora, é sabido que o produtor rural é o elo mais fraco da cadeia produtiva do agronegócio – se não trata as vacas e não entrega o leite, nada recebe do estabelecimento parceiro industrial – assim também os cooperados que trabalham com aves e suínos. Deixar de coletar a produção rural e deixar morrer as aves, suínos e vacas por falta de ração em decorrência de não poder utilizar-se do direito de ir e vir, revela, de parte dos obstruintes das rodovias, conduta reprovável porquanto intuitivo que, quanto menos mercadoria a transportar, menos fretes haverá a contratar. Mais grave ainda: Santa Catarina possui sanidade animal invejável que possibilita vendas ao exterior e que resta ameaçada com o abalo que está sofrendo o agronegócio catarinense (canibalismo de aves e suínos). Destarte, cabe à autoridade policial rodoviária garantir a circulação de veículos pena de responder por indenizações contra a União pela prestação falha de serviço (faute de service).
Havendo direitos constitucionais em disputa, como no caso presente, a melhor doutrina constitucional recomenda se salvaguarde eficácia de todos sem sacrificar um(ns) em prol de outro(s). Nesse sentido, acreditando que há homens de boa vontade dentre os caminhoneiros, tal seria possível implementando-se o disposto no item “a1” suso. Essa é uma tarefa conciliatória que se sugere às partes.
Por outro vértice analisada a questão, o movimento dos caminhoneiros vem ganhando viés político amealhando apoios de parcela da população insatisfeita quiçá com o cenário auspicioso desenhado durante a última campanha eleitoral e aquele de fato mostrado à população logo após 1° de janeiro deste ano, o que recomenda cautela e prudência das autoridades policiais no eventual uso da força.
III – DISPOSITIVO.
Ante o exposto: 01. Face às razões apresentadas pelo requerente, que demonstrou o fumus boni juris e o periculum in mora, concedo, em parte, a liminar requerida. Em conseqüência: (A) determino à União, através da 8ª Superintendência Regional de Polícia Rodoviária Federal de Santa Catarina e ao Estado de Santa Catarina, através do Comando da Polícia Militar Rodoviária catarinense, que garantam o livre exercício do direito à locomoção e circulação nas rodovias catarinenses, com trânsito dos veículos das indústrias associadas ao Sindicato Impetrante nos bloqueios realizados pelo movimento grevista dos caminhoneiros; (B) determino ao Movimento Grevista dos Caminhoneiros e às pessoas incertas e desconhecidas que estejam ocupando, obstruindo ou dificultando a passagem das 17 rodovias que se abstenham de impedir o trânsito de veículos das indústrias associadas ao sindicato autor; (C) fixo multa diária de R$ 10 mil reais/dia em caso de descumprimento desta medida liminar. Esta decisão é agravável de instrumento.”