Se fosse para julgar o homem, este texto poderia ser mais longo e recheado de reflexões. Mas essa parte fica para o leitor – e mesmo a crítica americana tem se dividido ao falar do livro e da vida de Andre Agassi, um dos maiores tenistas da história contemporânea, vencedor dos quatro Grand Slams (Aberto da Austrália, dos Estados Unidos, da França – Roland Garros – e Wimbledon), que ele conquistou oito vezes.
Agassi é criticado por atitudes que tomou na vida, as quais expõe no livro com uma boa dose de drama (como se a sua vida não tivesse sido dramática o suficiente): usou metanfetamina – quando sua carreira teve a pior fase, em 1997 —, acusa grandes adversários como Pete Sampras (14 conquistas em Grand Slams) de “não terem e não precisarem de inspiração”, revela sua irritação com a imprensa especializada em esportes e deixa claro o quanto o casamento com Brooke Shields foi um erro desde o início — um erro o qual Agassi quase assume como dele, e que foi piorado pelo fato de a atriz não ter interesse pela carreira de tenista do marido. Agassi (Globo, 504 páginas R$ 59,90, tradução de Sílvia Mourão, Helena Londres e Rosemarie Ziegelmaier) traz revelações surpreendentes para quem é tenista ou fã de tênis – além do uso de drogas: o campeão passou a usar peruca (com a qual ia para a quadra, inclusive) quando a calvície se acentuou, resolveu não usar mais cuecas em jogos depois de uma grande vitória, entregava partidas nas quais não tinha interesse e, incrivelmente (mas não para quem passa pelas primeiras páginas do livro), odiava tênis. Odeia. Sempre odiou.
O Agassi maduro pós-casamento com Steffi Graf (22 títulos em Grand Slams) lamenta ter parado de estudar aos 14 anos, devido a uma natural rebeldia da idade e a outra nem tão natural, que vinha de uma infância na qual todos os caminhos foram resumidos ao tênis por um pai violentamente obcecado pelo esporte. Um pai que amarrou ao braço do Agassi bebê uma raquete de pingue-pongue para que ele atingisse um móbile de bolinhas e que fez o filho de sete anos rebater 2.500 bolas a 170km/h. Todos os dias. Parar de estudar seria naturalmente um caminho a mais que se abriria aos incansáveis treinos para atingir o topo do ranking entre todos os tenistas do planeta. Aos 36 anos, no Aberto dos Estados Unidos, quando entrou em quadra para o último campeonato de sua vida profissional, Agassi era um atleta veterano entre adolescentes, investido de um corpo de um homem de 90 anos, como ele mesmo descreve, tentando passar ao leitor as dores inimagináveis de uma vértebra deslocada, injeções de cortisona rente aos nervos e pernas que sequer o auxiliam a levantar do chão, onde ele prefere dormir, todas as manhãs. Um Agassi ao qual o pai implorava que parasse de jogar tênis.
Um dia, após assistir a um documentário do 60 Minutes, Agassi percebeu que, para ele, só era possível ter real satisfação na vida (além dos momentos em família com seus dois filhos e a esposa e alma gêmea no tênis, Steffi) ajudando os outros. Em 2006, construiu a Agassi Foundation em uma zona da periferia de Las Vegas, apoiado por milhões de dólares arrecadados junto à iniciativa privada (http://www.agassifoundation.org/). A “academia de Agassi” prepara as crianças desde o maternal para a faculdade e conta inclusive com simuladores de vôo e aulas de música erudita. Nas palavras dele, “o objetivo é fortalecer os jovens”. Talvez quem se saia tão fortalecido quanto as crianças seja ele mesmo, detentor de uma infância em que as escolhas foram retiradas do currículo de vida.
Para quem pergunta se esse livro envolvente da primeira à última página foi obra do próprio tenista que largou os estudos aos 14 anos a resposta é dada no fim: Agassi teve a companhia de J. R. Moehringer, amigo, vencedor de um Prêmio Pullitzer e autor do best seller Sede de Viver, que teria declinado do pedido do tenista de assinar o livro. “As memórias são dele, não nossas”, disse Moehringer ao New York Times. De qualquer forma, a leitura é surpreendentemente fascinante para a biografia de um atleta e merece ser degustada mesmo por aqueles que só assistiam tênis quando Guga era o número 1 do mundo.
Texto de Milena Fischer
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