Promessa é dívida. Aqui está o artigo do Igor Oliveira sobre as bikes na capital gaúcha.
O Igor é sócio da Semente Negócios Sustentáveis e consultor para novos negócios.
“A última sexta-feira de cada mês é o dia da Massa Crítica em mais de 400 cidades ao redor do mundo. Dezenas de milhares de pessoas saem às ruas para celebrar a bicicleta como meio de transporte. O evento foi criado em São Francisco, nos EUA, em 1992, por um grupo de usuários de bicicletas. O recorde de participação aconteceu em Budapeste, Hungria, quando 80 mil cidadãos pedalaram juntos. Não há organizadores oficiais. O evento é aberto e espontâneo.
A ideia é mostrar como seriam as ruas se os ciclistas fossem maioria. Seriam mais lentas, mais calmas, mais silenciosas, mais agradáveis, mais humanas, mais musicais. E, durante o evento, somos mesmo maioria.
Participei da Massa, como é conhecida por aqui, durante cerca de um ano, entre 2010 e 2011. A julgar pelo histórico de incidentes em outros países, não tinha o que temer. Nunca havia acontecido — e nem era possível imaginar — uma ação contra o aglomerado de ciclistas.
Pois foi exatamente o que aconteceu no dia 25 de fevereiro deste ano, na Rua José do Patrocínio, em Porto Alegre. Um motorista, em um Golf preto, acelerou contra os 150 participantes. As cenas foram gravadas e exibidas no mundo todo. Isso mudaria minha vida para sempre.
Acabara de me formar em Administração na UFRGS e me preparava para deixar o Estado rumo a uma das oportunidades que recebera. O choque, a insônia e a falta de apetite duraram semanas. Havia perdido a capacidade de estabelecer nexos. Não via mais sentido em nada do que estava fazendo.
A reação dos participantes da Massa Crítica entrevistados vinha em uníssono: “que punam o assassino”. Fui um dos únicos a me manifestar pela soltura do homem, réu primário que não oferecia riscos. A lei é clara e vale para todos: que respondesse em liberdade.
Meu esforço tinha um sentido claro: deixar de lado o sentimento de vingança e aproveitar a visibilidade que ganhamos para construir uma agenda positiva. E, dessa forma, tentar viabilizar a bicicleta como meio de transporte na cidade. Além disso, percebi que era necessário incentivar a cidadania e a inovação localmente.
Por conta do episódio, resolvi ficar em Porto Alegre. Abri uma empresa que transforma boas ideias (com impacto social e ambientalmente positivo) em negócios rentáveis. Também me envolvi em um movimento chamado Porto Alegre Como Vamos, que pretende promover a participação de todos os cidadãos nas políticas públicas.
Há quem pense que bicicleta é coisa de ecochato, e que as magrelas jamais serão uma parte importante dos hábitos de transporte. Talvez não saibam que isso já é realidade em alguns países. Em Copenhague, na Dinamarca, a bicicleta é o veículo mais utilizado, com cerca de 40% do total de deslocamentos. Na Holanda, há lugares onde só se pode ir de bike.
Em Bogotá, na Colômbia, um prefeito mandou transformar em ciclofaixas as áreas de estacionamento das principais ruas da cidade. Com essa e outras medidas ousadas, atingiu altíssimos níveis de popularidade e hoje é reconhecido como um dos responsáveis por uma revolução que elevou os níveis de qualidade de vida naquela cidade.
É consenso entre os urbanistas mais respeitados que os veículos à propulsão humana merecem a prioridade dos governos locais. E que devem ser tratados como meios de transporte eficientes que são, e não apenas como “alternativos”. Sabe-se, hoje, que é preciso harmonizar a convivência entre pedestres, ciclistas, usuários do transporte público e motoristas, nessa ordem.
Além disso, o investimento em transporte não-motorizado é, normalmente, rentável aos cofres públicos. A cada motorista convertido em ciclista, o Estado economiza fortunas em manutenção do espaço público e — pasme — em saúde. O carro é a maior causa mortis não-natural no Brasil.
A inovação na indústria de veículos não-motorizados tem possibilitado grandes avanços. Com 5% do preço de um carro popular, é possível comprar uma bike dobrável, que pode ser carregada como uma maleta. Em Porto Alegre, temos bons exemplos de negócios que usam a tecnologia das duas rodas de maneira inovadora. A Pedal Express é uma empresa de entregas que consegue, nos horários de pico, ser mais rápida que os tradicionais motoboys. Já a Vert Bike utiliza bicicletas com suporte para anúncios. E a Orca Bike produz bicicletas com quadros feitos de bambu, material mais leve e resistente do que o alumínio.
A bicicleta torna-se, aos poucos, o símbolo da chamada inovação sustentável, que se preocupa em encontrar soluções simples para os desafios da sociedade.”