O Comitê Editorial do Grupo RBS elegeu duas personalidades como destaques do ano em nosso país: o juiz que devolveu aos brasileiros a esperança na luta contra a impunidade e o arquiteto que desenhou as curvas da liberdade em suas obras pelo Brasil e pelo mundo.
JOAQUIM BARBOSA
Ele deu um golpe na impunidade
Se tivesse chegado ao topo da carreira como procurador da República, Joaquim Benedito Barbosa Gomes já teria cumprido uma trajetória de exceção, como filho de um pedreiro e de uma dona de casa. Se tivesse completado sua performance como operador do Direito na condição de ministro do Supremo Tribunal Federal, teria sido uma figura ímpar do Judiciário brasileiro. E se a sua maior façanha, na sequência, fosse a ascensão como primeiro negro na presidência da mais alta Corte do país, seu currículo seria inigualável. Joaquim Barbosa é, no entanto, bem mais do que o caso raro e edificante de superação de um mineiro pobre que chegou aonde poucos conseguem pela capacidade de perseverar.
O relator do mais rumoroso caso julgado pelo STF enfrentou desconfianças e reações do poder político, para enfim reabilitar a imagem da Justiça e confortar a sociedade com a certeza de que figurões da República não mais terão a proteção da impunidade. O feito do juiz do mensalão para o país tem a grandeza das suas proezas pessoais. Foram quatro meses e meio de um julgamento em que o relator fez prevalecer, junto à maioria dos ministros, a argumentação de que o esquema montado pelo governo, para compra de votos no Congresso, de fato existiu. Foi pela atuação vigorosa de Joaquim Barbosa que 25 dos 37 réus acabaram sendo condenados, depois de 138 dias de julgamento.
É um equívoco, na simplificação da sua importância como relator do mensalão, apontá-lo como um herói justiceiro do Brasil. Os ministros do Supremo não têm a atribuição de aplacar iras ou fazer linchamentos. Apesar de criticado em alguns momentos, por ser considerado impositivo e refratário a questionamentos, Joaquim Barbosa deixou como sua marca, durante o julgamento, a correção e a altivez. Os réus, seus advogados e militantes partidários fizeram várias tentativas para depreciá-lo, especialmente depois das condenações, com argumentos que extrapolaram a controvérsia sempre presente nas decisões da Justiça. Foi assim que o ministro e seus colegas chegaram a ser apontados com influenciáveis pelo que se definia genericamente como mídia conservadora, em conluio com interesses políticos contrariados. Joaquim Barbosa foi, na verdade, cúmplice da maioria que esperava e teve uma resposta categórica do Judiciário à afronta de graves delitos políticos. O agora presidente do Supremo passa a ser uma referência histórica para o país, por sua conduta como julgador independente e como cidadão exemplar.
OSCAR NIEMEYER
Ele fez curvas até na linha do tempo
Oscar Niemeyer, o único brasileiro que continuará sendo reconhecido no século 30 de acordo com a profecia do antropólogo Darcy Ribeiro, foi um exemplo muito particular de caso em que obra e autor não apenas se confundem, mas conseguem manter a coerência ao longo de mais de 104 anos de existência. Com uma ampla trajetória de vida, que definia como um simples sopro, o mais reverenciado arquiteto brasileiro evidenciou com sua morte, em dezembro, algumas causas pelas quais se empenhou com o mesmo interesse que dedicou às curvas sinuosas lembrando a mulher brasileira e as ondas do mar moldadas no concreto. Uma delas é a liberdade. Outra, a educação.
A liberdade _ mesmo para quem paradoxalmente sempre defendeu o socialismo _ foi uma preocupação visível nas obras eternizadas em verdadeiros cartões-postais espalhados pelo Brasil e pelo mundo. A educação, da qual se mostrou um intransigente defensor em seu mais de um século de vida, seria o instrumento capaz de assegurar a oportunidade de transformar jovens de diferentes áreas de atividade em pessoas com projeção semelhante à do Arquiteto do Século. Nas palavras do educador e senador Cristovam Buarque, portanto, “a melhor reverência a Niemeyer é lembrar os outros Niemeyers que não afloraram”.
Privilegiado pela criatividade típica dos gênios e pelo acesso a uma boa educação, o também chamado Poeta da Arquitetura já poderia ser considerado o mais conhecido artista brasileiro se tivesse se limitado a tornar Brasília uma realidade. Mas fez mais _ do Sambódromo aos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), no Rio de Janeiro, além de edificações erguidas por praticamente todos os continentes, reafirmando na prática que sonho e realidade podem andar muito próximos e até juntos.
Num país tantas vezes lembrado pelo que tem de negativo, a figura humana e a obra de Oscar Niemeyer, reavivadas com sua morte, reafirmam aspectos nos quais os brasileiros deveriam se espelhar mais. O Brasil só crescerá se inovar _ e foi justamente isso o que o arquiteto mais fez ao projetar uma obra capaz de ser entendida e apreciada com orgulho por todos os brasileiros.