
QUESTÃO DE PRINCÍPIOS
SAUL DUQUE
VP de Criação da DEZ Comunicação
Impossível torcer pelo Uruguai depois da mordida do Suárez. Não vou secar mas torcer, bem, não vai dar. Assim como eu não torço pela França por causa daquela cabeçada do Zidane no Materazzi. Foi bem feito eles terem perdido a final da Copa naquele ano, seria um mau exemplo para o mundo a França ser campeã depois de um ato de selvageria daqueles.
E o que dizer da Alemanha, que na Copa da Espanha combinou um resultado com a Áustria que classificou as duas seleções para a próxima fase e derrubou a Argélia? Não tem como apoiar a seleção da Alemanha. Nem a da Argélia, que se classificou escandalosamente para a Copa no Brasil em um jogo que passou para a história pela abundância de incidentes antes, durante e depois da partida contra Burkina Faso, dentro e fora do estádio.
O Chile é outro país que não tem como apoiar porque o mundo não esquecerá jamais da farsa de Rojas, o goleiro que simulou ter sido atingido por um sinalizador disparado pela torcida do Brasil em uma classificatória da Copa no Maracanã. Vejo o Chile, lembro do Rojas, não torço. E também não apoio a Argentina, pois o gol de mão do Maradona na Copa do México foi um ato de mau-caratismo exemplar. E eu nem vou citar a Copa de 1978, que todo mundo sabe que a ditadura militar argentina comprou.
A Nigéria também está na minha lista negra. Um país que tem uma lei proibindo relações sexuais e amorosas entre pessoas do mesmo sexo, além de vetar organizações e eventos de ativismo homossexual, tem que ser secado e vaiado sem dó.
Em jogo da Grécia, desde 2011, eu troco de canal, pois esta seleção não existe pra mim depois daquele escândalo onde 80 gregos entre dirigentes, árbitros e jogadores foram acusados de formação de quadrilha, fraude em apostas, manipulação de resultados e lavagem de dinheiro.
Torcer pela Colômbia, a princípio, não seria um problema. Só que em 1994 um torcedor matou o zagueiro Andrés Escobar depois dele ter feito um gol contra na Copa dos Estados Unidos que desclassificou os colombianos. Não dá pra apoiar este tipo de selvageria.
A simpática seleção da Holanda tem um técnico que detesta, persegue e dispensa brasileiros em todos os clubes que passa. É inimigo declarado do Rivaldo. Os queridos holandeses que invadiram Porto Alegre que me desculpem, mas nenhum brasileiro pode apoiar uma seleção cujo técnico é o Van Gaal.
Lembram da cotovelada do Leonardo, lateral do Brasil na Copa de 94? Tab Ramos, jogador dos Estados Unidos, fraturou o crânio e o maxilar, ficou meses no hospital e quase abandonou o futebol.
O México foi desclassificado da Copa de 1990 depois de utilizar os jogadores acima do limite de idade permitido pela FIFA na fase de qualificação para o Mundial Sub-20 de 1989.
A Bélgica e sua colonização espantosamente predatória, cruel e genocida do Congo não merece o nosso respeito.
A Costa Rica é acusada de ser um paraíso fiscal com escândalos de lavagem de dinheiro e tráfico internacional de órgãos humanos.
Torcer pelos Estados Unidos é apoiar a espionagem descontrolada dos cidadãos do mundo.
E a Suíça guarda o dinheiro do Maluf. Vaia nela.
É por isso que, nestas oitavas de final, vou torcer pelo Fuleco. Questão de princípios.
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DESCULPE, DRA. ANETE, MAS EU NÃO POSSO
MARCELINO E. H. POLI
Médico e professor de ginecologia da PUCRS
Acabo de ler seu artigo em ZH de 10 de junho – Artigos (página 37), contestando o escrito de Giovana Dal Pozzo, com quem concordo plenamente. Sendo assim, fica desde já claro que não estou de acordo com muito do que a senhora escreveu, para justificar que consegue torcer pelo Brasil vencer a Copa do Mundo de futebol.
A comparação que a sra. faz do país com um adolescente é equivocada. Este é um ser em desenvolvimento, em fase de descobrir-se, de afirmar-se como indivíduo e de forjar seu projeto de vida. É fase difícil em que, frequentemente usa estratégias erradas, em especial se sua relação com seus pais estiver tumultuada e mal conduzida. O Brasil é um país em que a sociedade, por tudo o que se lê, se ouve e se vê, nos diversos veículos de informação, está muito doente. Suas estruturas governamentais estão dominadas por agentes corruptos, por desmandos, por inversão de valores. A sociedade está sofrendo e, por isso, manifestações de repúdio a múltiplas coisas multiplicam-se e se disseminam. Estamos com medo do que possa acontecer durante a copa do mundo e isso está comprovado pelos enormes reforços policiais e militares que estão sendo montados. O medo atingiu os organizadores. Paralelamente percebe-se que há um verdadeiro estado de histeria coletiva provocada pela ênfase que vem sendo dada à copa. Desenvolve-se uma forte comoção com esse pretexto e isso está a anestesiar o povo que, assim, deixa de perceber o que se passa ao seu lado, tal é a intensidade com que os meios de comunicação se ocupam dela, provocando uma paixão avassaladora. A anestesia retira a sensação de dor em todo o corpo ou em parte dele. Geralmente é produzida por certas substâncias, mas, às vezes, pode ser causada por doença ou hipnotismo. Na anestesia geral, a pessoa não consegue reagir a estímulos externos. Existem estados clínicos chamados de catatonia e catalepsia, e isso a sra. conhece melhor do que qualquer outra pessoa, que podem estar associados a estados mentais anormais como a esquizofrenia e a histeria, e que também são relativamente comuns em pessoas que vivem uma emoção muito forte.
O que a sra. chama de “momento tão importante”, em se referindo à Copa do Mundo, a meu ver representa uma distorção do conceito de importante. Importante é resolver os problemas políticos, econômicos e sociais gravíssimos que assolam o país e isso não se faz com festa. Sabe bem a sra., por ser médica, que existem condições clínicas que demandam soluções cirúrgicas e, como tais, agressivas. Não respondem a “panos quentes”.
Por pensar assim, considero nossas formas de torcer pelo Brasil completamente diferentes.
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COPA DO MUNDO E ELEIÇÕES
PAULO FERNANDO CABRAL
Pastor e teólogo
O voto é um exercício de cidadania. Nosso voto é uma expressão do nosso pensamento a respeito dos diferentes candidatos que são apresentados em cada eleição. Alguns votam segundo suas ideologias, outros de acordo com o perfil e biografia dos candidatos e também existem aqueles que escolhem seu candidato, a partir das propostas apresentadas, da propaganda eleitoral, por indicação de um amigo, por um favor recebido ou por outros critérios. Entendo que existem muitos fatores que influenciarão o eleitor nas eleições presidenciais deste ano, mas não acredito que entre eles esteja o resultado da Seleção Brasileira na Copa do Mundo.
Há muitas pessoas que estão dizendo que se o Brasil vencer a Copa do Mundo, isso beneficiará a campanha para reeleição da Dilma. Não acredito nisso. O Penta campeonato, por exemplo, não teve nenhum reflexo no desempenho do candidato governista. Se o resultado da Copa do Mundo influenciasse na eleição presidencial, em 2002 o Lula não teria vencido a eleição, pois o candidato do governo era José Serra. Por esse mesmo raciocínio, em 2006 o Lula não poderia ser reeleito, pois naquele ano o Brasil foi eliminado da Copa do Mundo pela França nas quartas de final. Em 2010, a seleção brasileira novamente frustrou o povo, sendo eliminada na Copa pela Holanda, mas mesmo assim, a candidata governista venceu a eleição.
Vou torcer pela seleção brasileira na Copa do Mundo, sem nenhuma preocupação com qual candidato se beneficiará com um possível Hexa campeonato da Seleção Brasileira, porque o grande beneficiário com o esse título será o futebol brasileiro, pois quanto mais títulos a seleção possuir, mais valorizado serão os campeonatos nacionais, mais recursos financeiros serão destinados aos clubes, mais espaço na mídia, mais escolinhas de futebol, mais empregos diretos e indiretos relacionados ao futebol.
Portanto, não antecipe as eleições para o período da Copa do Mundo. Não tente politizar ou instrumentalizar o futebol. Torça pela seleção brasileira, vibre com suas vitórias e conquistas. O futebol é a coisa mais importante, entre as menos importantes. Concentre seu esforço para eleger seus candidatos para o Executivo e Legislativo para depois da Copa. Sugiro uma trégua na campanha eleitoral de 12 de junho a 13 de julho. É hora de ver a Copa do Mundo como uma celebração esportiva, um grande momento de lazer e incentivo ao esporte. Rumo ao Hexa Brasil!!!
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ENTRE O SECUNDÁRIO E O ESSENCIAL
CLEBER BENVEGNÚ
Jornalista e advogado
A preparação para a Copa foi uma lição tanto para o governo quanto para a própria população. Os brasileiros, incrivelmente, se puseram a pensar sobre prioridades _ algo incomum no cotidiano da nação. Mesmo que o debate tenha sido enviesado e simplificado, ele deixa uma contribuição relevante.
Tudo o que é gasto com o futebol, por exemplo, jamais havia merecido qualquer espécie de questionamento. Eis que, justamente com a vinda do torneio mais importante do mundo, a pátria das chuteiras passa a perceber que, alto lá, nem tudo é justificável em nome desse lazer. Sim, o futebol é maravilhoso _ mas tão-somente um maravilhoso lazer.
A retórica eleitoral costuma, para qualquer situação, fazer o discurso do “mais investimento”. Mais investimento para a cultura, para o turismo, para a educação, para a saúde, para as estradas, para o pagamento de servidores, para isso e para aquilo. Não existe hierarquia, tudo parece ter igual importância.
Há muito tempo é assim. Não importa se faltam o feijão e o arroz no almoço, vamos providenciar o lustre novo da sala. Vamos trocar o carro, depois resolvemos o custeio da gasolina. Temos um problema no país? Ora, só aplicar mais dinheiro, claro! Simples. É só vontade política, ora bolas. Veja-se que esse raciocínio é emotivo, fantasioso e até mesmo irresponsável. Ele se dá sobre a base irreal de um erário ilimitado. É como se o caixa estatal não tivesse dono ou se dele jorrassem moedas.
A verdade é que somos conduzidos muito mais pela pressão dos grupos de interesse do que por uma visão solidária de sociedade. Fazer a alegria de quem pressiona dá mais dividendos do que escolher prioridades reais. Precisamos aprofundar a discussão sobre os gastos e sobre o papel do Estado: onde deve e onde não deve fazer-se presente; onde deve e onde não deve ser aplicado o imposto arrecadado; o que incumbe ao público e o que incumbe ao privado.
As loucuras orçamentárias da Copa, se não resolveram esse problema da nossa cultura política, ao menos deram um bom choque na percepção média dos brasileiros. Choque de realidade. Um acontecimento popular conseguiu, em alguma medida, elevar a discussão sobre relevantes questões de fundo. E o recado da população é claro para quem quiser entender: gastar menos no secundário e mais no essencial.
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TORCER OU NÃO TORCER
EDUARDO STELMACK
Acadêmico de Comunicação Social
Confesso que no dia da abertura da Copa do Mundo tive um pequeno sentimento de nostalgia. E o que me veio à mente foi o campeonato de 1994, que para minha geração foi um acontecimento e tanto – talvez por ter sido, de forma geral, um ano com vários acontecimentos marcantes para os anos 90. Então me peguei pensando nas imagens de Bebeto e sua bela comemoração, onde simulava embalar um bebê nos braços, em homenagem à sua filha. No chute fantástico de Roberto Baggio metros acima da goleira do Taffarel. Nas ruas coloridas de verde e amarelo e no sentimento de cumplicidade e harmonia entre as pessoas – acho que dias assim eram somente no Natal.
Pois desse momento de reflexão, surgiu também um sentimento de tristeza ao perceber a desmotivação coletiva que se generalizou pelo país. Pela angústia. E tudo isso pelos motivos que todos conhecemos e que realmente mexem com a confiança e paixão de qualquer brasileiro. E são motivos legítimos. Afinal, é realmente contraditório expressar qualquer tipo de alegria a favor de um time de futebol enquanto as principais áreas sofrem com a precariedade e incompetência dos nossos governantes.
Mas percebi que devemos torcer, sim. Porque não podemos misturar as coisas. E se a seleção for vitoriosa, meus parabéns. Mas torcer, principalmente, para que, após o evento, fiquem os tais legados para o país que muitos argumentam. E para formarmos essa torcida de maneira racional, precisamos saber nos comportar como seres humanos. Ou seja, protestar com inteligência, não com pedras. Reivindicar com argumentos, não com ofensas. Lutar, mas sem agredir. Buscar nossos direitos sem tirar os direitos dos outros. Quem sabe assim, em uma próxima oportunidade, poderemos voltar a colorir as ruas de verde e amarelo.
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A COPA DO MUNDO E A GENTILEZA
ARLETE GUDOLLE LOPES
Professora e escritora
A Copa do Mundo é fato consumado e a que bem poucos contestaram quando foi anunciada a realização no Brasil pelo presidente Lula. Agora, que nada mais se pode fazer, os brasileiros devem torcer para que seja coroada de pleno sucesso. Para isso, devem adotar atitudes simples como serem gentis com visitantes durante o evento. Existem atitudes que engrandecem as pessoas, tornam-nas diferenciadas, capazes de desarmar os violentos, os belicosos, os desalmados. Pedido de desculpas acompanhado de sorriso luminoso, deferência ao ingresso de pessoas mais velhas, de mulheres grávidas a algum recinto, oferecimento do lugar em ônibus ou espaços públicos aos mais idosos, aos portadores de alguma deficiência, aos mais carentes, inclusive a turistas estabelecem os liames da grandeza de que um ser é dotado.
Ser gentil deveria ser um dos maiores ditames da conduta em sociedade, exercitada como dogma, dever diário a ser cultivado desde a infância porque a gentileza rompe barreiras, amplia amizades, reforça o afeto, alimenta a paz, acolhe e desestabiliza pretensiosos. Ser gentil humaniza, aproxima, cria vínculos, multiplica a condescendência, contagia. Por isso, a gentileza deve ser exercitada em casa, na rua, no trabalho, no trânsito, entre amigos. Necessita, pois, ser aprimorada também junto aos torcedores nativos e estrangeiros. Prestar-lhes informações seguras, cobrar o preço justo a serviços oferecidos servem como bons exemplos. Tratá-los com educação deve ser sempre aprimorado porque ser gentil implica bondade, delicadeza, ternura, doação, carinho, paciência. Torcer para a seleção brasileira sem melindrar adversários, exercitando a gentileza, torna o ambiente em estádios pleno de energias boas, contribuindo para selar a paz entre torcidas.
Ser gentil não custa nada e os ganhos auferidos com a sua prática se multiplicam e retornam ao praticante como formas singelas de contentamento pessoal. A gentileza torna o olhar do outro mais complacente e a simpatia recebida por ato tão genuíno e simples atinge o ser gentil com muito mais energias benéficas. Um abraço apertado, um beijo, uma palavra de carinho, a prática da generosidade, a vontade de colaborar para que o convívio social ganhe maior qualidade emprestam concretude à gentileza e não exigem nenhum sacrifício. Basta praticá-la todos os dias e em qualquer momento. Se as pessoas procurarem ser mais gentis, outras manifestações da grandeza humana contribuirão para que a Copa 2014 ganhe foros superlativos aos olhos do mundo.
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A COPA DO ÓDIO
ALEXANDRE CHAGAS VIEIRA
Professor
Assisto com horror existencial o desenvolvimento de uma ideia irracional na mente de determinadas pessoas sobre a Copa do Mundo no Brasil: “Tomara que dê tudo errado.” Trata-se de uma corruptela do indefectível: “Não vai ter Copa.” Ou seja, diante da inevitável realização do evento Mundial, muitos adaptaram seu rosário de lamentações, a um discurso de ódio, contra tudo e contra todos que não possuem a “lucidez” de perceber que o Brasil está à beira do abismo. E mais, somente a instauração do caos absoluto levaria o povo brasileiro, ignorante e alienado por natureza, a se dar conta do inferno em que vive. Essa postura não é isolada. Tenho testemunhado tal verborragia, com frequência nos últimos dias, em programas interativos de rádio e televisão, bem como nas mais diversas redes sociais. Os ninhos dessas verdadeiras aves de mau agouro podem ser encontrados tanto na direita elitista-preconceituosa-reacionária, que vê no fracasso da Copa, uma grande oportunidade para derrubar o “governo comunista do PT!” (juro que ouvi isso), quanto na extrema esquerda, que sonha em desestabilizar as instituições, para que o povo consciente da sua desgraça faça definitivamente a revolução socialista. O irônico é que esses dois grupos extremistas, que se babam mutuamente de ódio, se tocam constrangedoramente, tanto nas ideias, quanto nos métodos criminosos de ação. Ou haveria muita diferença entre ensandecidos “justiceiros” que saem a espancar e matar, para o cumprimento de um suposto dever não cumprido pelo Estado; e desvairados Black blocs que além de matar (vide fotógrafo da Band), acham-se no direito de depredar patrimônios públicos e privados para desestabilizar um Estado que dizem não representá-los. Anarquistas de boteco e fascistas de programas sensacionalistas são definitivamente extremos que se encontram! Moscas nojentas, atraídas pelo mesmo material fétido e imundo! Material, infelizmente, produzido por uma sociedade que não acredita em si e, miseravelmente, reproduz o nosso centenário complexo de vira-lata.
Se posicionar a favor ou contra a Copa não é somente legítimo. É absolutamente necessário. Seja para o desfrute econômico e cultural de nosso povo diante desta oportunidade histórica; seja para correções de prioridades nas políticas públicas e punições severas para eventuais malfeitos no processo de organização do evento.
Parafraseando o Grande Mestre Buda: “Persistir no ódio é como agarrar uma pedra em brasa com a intenção de atirar numa outra pessoa. No final é você que se queima.” Diante do fato consumado, porque não transmutar sentimentos pesados e negativos em ações solidárias e positivas com os milhares de turistas que vêm nos visitar. Por que a sociedade brasileira não se apropria da Copa do Mundo e dela extrai os maiores benefícios possíveis?
Que os raivosos de todos os matizes sejam isolados e derrotados de goleada pela seleção do Bem! Enfim, que vença o melhor: a maioria do povo brasileiro!
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POR QUE O FUTEBOL É TÃO IMPORTANTE PARA MIM?
RAFAEL FRAGA
Advogado
Quando tinha sete anos fui levado ao Estádio pela primeira vez, primeiro contato com esta realidade tão apaixonante e que nos faz sentirmo-nos eternamente crianças. Não torcemos para o melhor, torcemos para o time que nos toca o coração. Um sentimento passado de pai para filho.
O futebol é união, aproxima distantes, pessoas que teoricamente não teriam nada em comum, mas que por um acaso do destino amam o mesmo Clube. Não interessa a cor, classe social, religião, sexo, idade, nada… todos são iguais dentro de um Estádio. Não existe coisa mais democrática do que esta paixão.
Antes mesmo do primeiro passo o menino já está brincando com uma bola de futebol. A menina demora mais pra ter esse contato, mas isso não interfere em nada na paixão pelo esporte. Hoje as mulheres são presenças confirmadas nos campos de futebol pelo Mundo afora, seja torcendo, seja jogando.
Mais do que saúde física, o futebol nos ensina valores, mostra que quando atuamos unidos, a vitória está mais próxima; que quando temos disciplina, foco e persistência, não existe adversário que possa nos parar; que a amizade, a simplicidade e o companheirismo, são mais importantes do que a conta bancária. Eu amo o futebol, com ele aprendi que nem sempre se ganha, mas que a derrota não é eterna e que uma nova oportunidade estará ali na frente.
O brasileiro é inegavelmente apaixonado pelo futebol que alegra tanto seus domingos à tarde, mas infelizmente, por culpa dos governantes, o brilho no olhar ao ver uma Copa do Mundo em nossa terra, 64 anos depois, está diminuído e isso me dói. Há um sentimento ambíguo de satisfação por estar tão perto do maior evento do esporte e de seus ídolos, mas ao mesmo tempo, há uma tristeza por saber que esse sonho foi deturpado, que houve desvio de verbas, superfaturamentos, obras inacabadas, dinheiro público investido em obras faraônicas, e tantas outras insatisfações que pairam sob a cabeça de cada cidadão ao pensar em Copa do Mundo.
Há uma ideia de que gostar e aproveitar esse evento único significa concordar com o que foi feito. Eu discordo deste pensamento, o lugar de manifestar a profunda reprovação à este tipo de prática será nas urnas, nas eleições. Não é justo ver sua paixão com amargura, não faz bem para a alma e para o coração. O futebol não tem culpa, pelo contrário, quem dera que seus valores se estendessem a cada cidadão e que o espírito de equipe fosse maior do que qualquer vaidade individual.
Por fim, só tenho um desejo, o de que as crianças ao assistir a Copa do Mundo possam sentir a mesma emoção que senti ao adentrar pela primeira vez num Estádio de futebol, sentimento único que nunca esquecerei. Não acabem com a ilusão das nossas crianças, e digo mais, ser criança não tem idade quando o assunto é o amor pelo futebol, que este espirito de confraternização e amizade seja maior que a tristeza pela incompetência de nossos governantes!
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OS HERÓIS DA SELEÇÃO
ERICO FERNANDO BARIN
promotor de Justiça de Ijuí
Os jogadores da Seleção Brasileira são, de fato, heróis. Menos pelo talento, mais pela trajetória de vida, variação de um roteiro comum: crianças nascidas em locais pobres, com pouca presença do Estado, e que encontram no futebol rara oportunidade. Vinte e poucos vencedores num universo de milhares que morrem naqueles ambientes: a seleção dos estatísticos.
Dados recentes do Ministério da Saúde demonstram que tivemos, em 2012, 56.337 homicídios, dos quais os 64,6 homicídios por 100 mil habitantes de Alagoas equivalem ao que ocorreu na Guerra do Iraque entre 2004 e 2007. As vítimas, na maioria, foram jovens de 17 e 25 anos, moradores de locais como os de nascimento dos jogadores da Seleção. Ou seja, há mais o que celebrar para além da Copa das Copas. Não, não estou sendo irônico.
Temos, de fato, de celebrar os 23 jovens que escaparam das estatísticas. Como parâmetro, o Brasil de 2012 fulminou 4.694 pessoas por mês, 156 por dia ou seis por hora. Em quatro horas, uma Seleção inteira. Com outras palavras, esses jogadores são a celebração da vida.
Mas como ignorar as estatísticas? Como um Estado diz-se democrático de Direito e alega ter como fundamento a dignidade da pessoa humana com esses números? Números e estatísticas. Assim são consideradas as vítimas, pois só isso justifica que a revelação dos dados não tenha gerado reunião emergencial nos altos escalões do governo. Nada. Que venham a Copa das Copas e as eleições. E, num futuro breve, novos recordes.
Não precisava ser assim. O Estado de São Paulo diminuiu o número de homicídios investindo no social, na qualificação e no aumento dos quadros policiais e no trabalho de inteligência com seriedade e planejamento. Teríamos menos homicídios se os condenados cumprissem as penas fixadas e só retornassem ao convívio social após uma avaliação decente. Bem menos homicídios se a impunidade, a leniência e a corrupção não estimulassem a reincidência. Infinitamente menos se o assunto fosse prioridade em todas as esferas do Estado.
Mas, afinal, vindo o hexa, quem se lembrará da seleção dos estatísticos?
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A COPA DO MUNDO É NOSSA!
JOSELMA NOAL
Escritora e professora
Inicio este texto com o meu sincero pedido de desculpas aos fanáticos torcedores brasileiros. Denomino como fanáticos torcedores brasileiros todos aqueles que vestem a camiseta verde e amarela literalmente apenas em época de Copa do Mundo e que no restante do tempo atuam como cidadãos medíocres. Infelizmente, o nosso povo é formado por uma maioria de sujeitos desse tipo. Brasileiros são sujeitos ingênuos, como torcedores e como eleitores. Casualmente, neste ano temos Copa do Mundo e eleição por aqui.
Cabe mencionar que não torço contra o futebol brasileiro, nem contra a Copa, nem contra nada. No entanto, torço de verdade é para o desenvolvimento de uma nação, torço por um Brasil melhor em termos de educação, saúde, segurança pública.
Espero que o nosso país melhore a imagem diante do mundo com a Copa, não desejo escândalos ou fracassos, mas gostaria muito de ter mais motivos para ter orgulho de minha terra. Não quero viver no país do futebol, gostaria mesmo é de viver no país da educação, da saúde, da segurança pública. Seria muito bom morar em um lugar onde o povo vestisse a camiseta todos os dias, tomando atitudes de cidadão decente, ético e digno. O Brasil dos meus sonhos resolve problemas com seriedade e competência, trata-se de um espaço no qual inexiste o famoso jeitinho.
Confesso que entre as notícias sobre o preparo físico do Neymar e o PIB destinado à educação, o segundo tema me parece mais digno de interesse. Tomara que deixemos de viver o orgulho tupiniquim de sermos o país do futebol para um dia sermos reconhecidos por outras qualidades. Espero que possamos comemorar outras vitórias, receber outras taças e não somente esta do futebol.
Nossos governantes têm se revelado pouco ou nada nacionalistas e devemos a eles nosso descrédito neste país. Portanto, em ano de eleições, caros leitores, olhos abertos não só para o futebol, mas também e, principalmente, para o futuro de nosso país. Lembrem: o maior ato de cidadania exercemos na urna e não no estádio. Afinal, é por meio da urna e não de nossa torcida e vibração pelo futebol, que podemos contribuir para um país melhor.
Sorte e responsabilidade ao Brasil na Copa e nas eleições!
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NA COPA DA FIFA, LUTAREMOS PELO HEXA DE DIREITOS
LUCAS MARÓSTICA
Estudante da UFRGS, ativista do Coletivo Juntos
“Pela proximidade com a Copa do Mundo da Fifa e a lembrança das passeatas que balançaram as ruas de Porto Alegre e do Brasil em 2013, muitas pessoas me questionam: “Vai ter Copa?”. Ora, quem sou eu para dar essa resposta, mas de início diria que sim, o evento Copa do Mundo irá acontecer. Complemento dizendo que não para toda a população brasileira, me referindo a grande parcela indignada com a falta do “legado”, e tantos outros que não possuem poder aquisitivo para comprar um ingresso e ir ao estádio. Somam-se a esses os nove operários mortos nos campos de obras, para esses definitivamente não haverá Copa, nem 2014.
Para além da seleção brasileira, os movimentos sociais também entrarão em campo no próximo período. Lutaremos com toda a garra e determinação pela conquista do Hexa de direitos. A começar pela moradia. Os estádios já estão prontos, os palcos dos jogos estão garantidos, mas infelizmente 7 milhões de casas ainda precisam ser construídas em nosso país. São milhões de brasileiros e brasileiras sem-teto, na espera por dignidade. Para a Copa, 150 mil famílias foram removidas de suas casas para a construção dos estádios e o problema se agravou. Cartão vermelho para a Fifa e os governos! E justiça é justamente o segundo ponto: garantir o direito constitucional a livre manifestação entra em nossas reivindicações, pois este vem sofrendo fortes ataques. Em Porto Alegre, estou sendo indiciado por “formação de quadrilha”, por organizar manifestações. São 20 anos de cadeia, para quem tem 23 anos de idade e saiu as ruas ao lado de milhares de outros jovens, estudantes e trabalhadores, cheios de sonhos. Para Sarney, Collor e Maluf camarotes da Fifa. Para quem os combate: lei antiterrorismo! É verdade, somos o terror de pessoas como estes senhores.
A saúde e a educação são nossas próximas reivindicações. Queremos 10% do PIB para cada um desses setores. Nenhum centavo a menos! Também somos ambiciosos, mas ao contrário das grandes construtoras, o dinheiro que pedimos não irá para o nosso bolso, e sim para a construção de creches, escolas, ampliação das universidades públicas, postos de saúde e hospitais. Desde já dispensamos o Padrão Fifa, pois consideramos este padrão de péssima qualidade, afinal as obras tem custado 150% a mais do que o esperado. Fechamos exigindo nenhum centavo a mais nas passagens de ônibus e a soberania brasileira diante dos ataques da Fifa com o Estado de Exceção.
A Jeronimo Valcke e Joseph Blatter, representantes da Fifa, que nos chamam de povo vagabundo, diremos que esta é a Pátria amada. Este Brasil, que és um sonho intenso, um raio vívido, é terra de gigantes, fortes e que não fugirão às lutas das nossas vidas. Em menos de dois meses a Fifa vai embora do nosso país: que alegria! Durante o período em que permanecer, ouvirá as vozes indignadas que virão das ruas: é construção de um outro futuro pedindo passagem! Que venha o hexa!
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NEM TUDO ESTÁ PERDIDO EM RELAÇÃO À COPA DO MUNDO
RAFAEL FREITAS BARBOSA
Consultor da Fundatec
Não há como negar que deixamos de aproveitar muitas oportunidades proporcionadas por um evento do porte da Copa do Mundo. Quando analisamos o que não foi feito em termos de mobilidade urbana, investimento em saúde e tantos outros pontos, é compreensível que se crie um sentimento de animosidade em relação ao Mundial. Mas, se não recebermos da maneira mais adequada possível quem vem de fora, de quem será o prejuízo? Da sociedade como um todo, eu respondo, pois os ingressos já foram vendidos e os patrocínios fechados. Agora, quem pode deixar de aproveitar a oportunidade é o povo.
O principal retorno direto gerado pela Copa é recebido através do turismo, por meio da hotelaria, gastronomia, entre outros. Mas se engana quem pensa que esse retorno acontecerá somente durante o evento esportivo. Ele terá reflexo em longo prazo através da imagem levada pelos visitantes. Estas pessoas voltarão para seus países e contarão como foi a experiência no Brasil. Por isso, enquanto esses potenciais canais de propaganda estiverem aqui, temos que mostrar o que temos de melhor. Espera-se que recebamos cerca de 600 mil turistas em função da Copa. Imagine o retorno que esse público pode proporcionar se levar daqui uma boa experiência. A reverberação é incalculável, mas, com certeza, muito proveitosa, se positiva. Isso sem falar na oportunidade de networking com investidores estrangeiros, que podem ser convidados para assistir uma partida e tratar de negócios, conhecendo o país.
É notável que a grande falha na aceitação do Mundial foi do governo ao não dar o tratamento adequado à integração da população ao evento. Isso não pode mais ser alterado, mas, se focarmos em nosso pontos fortes durante a Copa, podemos utilizar a exposição em nosso favor. Uma pesquisa realizada durante o 20º Campeonato Mundial de Atletismo Master, em Porto Alegre, apontou que as características mais apreciadas pelos visitantes em relação à população da cidade foram a hospitalidade (89% de aprovação) e as atrações culturais, em especial a gastronomia (90%). Ou seja, características positivas temos, resta sabermos aproveitar o momento.
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APESAR DE VOCÊ
ASTOR WARTCHOW
Advogado
Ah, o tempo… “O tempo é o senhor da razão”, teria dito o escritor francês Marcel Proust (1871-1922). Tantas anunciadas promessas, doces ilusões e cantadas virtudes esvaindo-se como o pó ao vento.
Compreendo os governantes. Afinal, para a manutenção do status quo apela-se aos recursos possíveis. Mas, entre estes, alguns são intoleráveis porque absolutamente deseducadores, notadamente quando o destinatário é um povo humilde e de baixa escolaridade. São inaceitáveis a falta da verdade, o ufanismo e o messianismo.
Exacerbadas as divergências, simpatizantes e governantes reproduzem condutas dos tempos ditatoriais, censurando a imprensa e sugerindo aos discordantes o caminho do exílio voluntário.
Como já fizeram em rede social ao postar foto de um passaporte, com recomendação aos insatisfeitos que, então, saiam do país. Ato equivalente ao “Ame ou Deixe-o” patrocinado pelos militares nos anos 70.
Razão de contestação pública consta a Copa do Mundo, sua lei especial e seus bilionários estádios. Desnecessário repetir o mantra “Padrão Fifa”, tamanho o escândalo do superfaturamento, da orgia de gastos, o vexame dos prazos e obras inacabadas e a absoluta contradição relativamente às demandas e carências populares.
Ironicamente, está se reproduzindo outro fato do tempo da ditadura. Em 1970, havia um dilema entre os adversários do regime. Torcer a favor da seleção brasileira seria prestar um apoio político aos militares. Torcer contra era um dever patriótico. Afinal, parafraseando o socialista alemão Karl Marx (1818-1883), o futebol é o “ópio do povo”.
Hoje, estamos diante da mesma circunstância. Torcer contra seria uma forma de denúncia e contestação. Torcer a favor seria legitimar o governo e suas práticas. E seus candidatos, haja vista a coincidência (?) entre a Copa e as eleições nacionais.
Mantenho minhas críticas, mas torcerei pela seleção e desejo que tudo ocorra sem transtornos. E por quê? Porque o Brasil e seu povo são maiores que um governo e um partido, de quem, circunstancialmente ou não, podemos divergir ou não gostar. Seja em tempo de ditadura, seja em tempo de democracia.
Afinal, a soma de nossas virtudes é maior que a soma de nossos erros.
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COPA DAS COPAS
GIOVANA DAL POZZO SARTORI
Estudante de medicina na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.
Vivo num país em que espero 40 minutos por um ônibus superlotado, em más condições, sem saber quanto vou demorar até o destino. Em que a lotação me custa R$ 17,60 por dia. Perco horas no trânsito e não é seguro estacionar meu carro na rua nem parar em sinaleiras. Roubam o estepe, as rodas, o carro todo. Os estacionamentos são caríssimos. Ligo a TV: greve do transporte público em SP, RJ, SC. As capitais estão sem mobilidade urbana. Nosso ex-presidente disse que metrô é “babaquice”, que brasileiro vai até o estádio a pé ou de jumento se precisar.
Em plantão vi um pai perder seu filho num acidente em nossas intransitáveis estradas, amassado por um ônibus que, na ausência de fiscalização, transitava sem freio. Tenho medo de viajar. Medo que meus pais venham me visitar. Aqui, a chegada não é garantida.
Vivo num país em que trabalhamos até maio apenas pra pagar impostos, que retornam na forma de estradas perigosas, insegurança pública, educação e saúde falhas. Políticos roubam nosso trabalho. Nossa produção muitas vezes não pode ser escoada por falta de estradas e portos. Mas financiamos a construção de portos em Cuba.
Pacientes dormem na fila por uma consulta, esperam um ano por uma tomografia pelo SUS. Entram na justiça e esperam mais um ano por um quimioterápico. E morrem nesse meio tempo. Médicos fecham UTIs por falta de até mesmo luvas. Mas o governo acha melhor trazer mais médicos.
Abri o jornal e vi que obras que precisamos há tanto tempo não ficarão prontas nem pra receber turistas na copa. Mas que copa? Não a vejo nas ruas, na população… As passagens aéreas do período de jogos estão em promoção. Será que os turistas estão com medo de vir a um país colapsado, em que queimamos ônibus nas ruas e em que 56 mil pessoas são assassinadas por ano? Será que todo aquele dinheiro que tanto precisaríamos para reformular elementos básicos do país não terá o retorno esperado?
Depois de tudo isso querem que torçamos para a seleção nesse mês. Desculpa Brasil, mas eu não consigo. E quem consegue se importar se o Brasil vencerá essa copa, em frente à necessidade de vencer tantas outras?
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A COPA DA VIDA
CASSIONEI NICHES PETRY
Professor de Literatura e escritor
Popularmente, se diz que religião, política e futebol não se discute. Não estou de acordo, porque um debate sempre nos ajuda a construir o conhecimento. Isso, claro, se prevalecer a razão e, por conseguinte, os debatedores reconhecerem quando estão errados.
Porém, muitos não querem ver ruírem suas convicções e perderem algo que lhes dá apoio. O religioso busca na fé um sentido para sua vida. O militante vê apenas no seu partido as soluções para os problemas de um país. O torcedor jamais vai admitir que seu time esteja inferior ao outro. Deixam-se levar mais pelo lado emocional e, quando questionados, se não têm mais argumentos para se defenderem, podem partir para a violência.
No Brasil, de uma forma geral, as pessoas dificilmente discutem suas crenças religiosas, pois basta a palavra do padre ou do pastor para sustentar sua fé. No campo político, guiam-se pela mídia e as pesquisas, não suportam o horário eleitoral e quem se interessa um pouco mais se torna fanático, principalmente pelo partido que lhes satisfaz os interesses pessoais. Até aí, a máxima funciona.
Já no futebol, as discussões se espalham por todo o canto. Todos têm sua opinião e vão até as últimas consequências para defender seu time, por exemplo. Nem nessa época de Copa do Mundo entram num consenso, pois cada um tem sua escalação preferida e não nutre a mesma simpatia pelo treinador. Só na hora do apito inicial todos se unem “numa só emoção”, como diz o slogan de uma rede de TV.
Esporte curioso, o ludopédio. Sim, ludopédio. Foi o nome que os gramáticos tentaram colocar no lugar do estrangeiro foot-ball. Mas num país que prefere shopping center a centro de compras (ou slogan em vez de frase de efeito), lógico que não ia pegar. Aportuguesou-se a expressão, na medida em que o jogo abrasileirou-se. Da mesma forma, deixou de ser da elite para se tornar popular e, principalmente, masculino. Aliás, há uma analogia psicanalítica que tenta entender o interesse do homem por esse esporte: o pé e a bola são símbolos do órgão sexual masculino, a goleira é o feminino e o gol é o orgasmo. É o momento de alegria de um lado e o sentimento de perda do outro.
Nesse sentido, o futebol é uma metáfora para a vida: às vezes ganhamos, outras perdemos; há solidariedade e há deslealdade; há bondade e há violência; às vezes há jogo limpo, outras vezes há desonestidade; há tristezas e há alegrias; há tolerância e também preconceito; existem times pobres, outros ricos e alguns muito ricos; há baixos salários e há altos salários; erramos, acertamos; brigamos, fazemos as pazes; batemos e apanhamos. Mas não podemos esquecer: os jogos terminam e se repetem em outros dias, os campeonatos se repetem todos os anos, a Copa do Mundo se repete a cada quatro anos. No entanto, a Copa da Vida não tem repetição e é mais real.
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A COPA DO MUNDO E A POLITIZAÇÃO DO ESPORTE
DAIÇON MACIEL DA SILVA
Engenheiro Civil, ex-prefeito de Santo Antônio da Patrulha
A realização da Copa do Mundo no Brasil em 2014 trouxe inquietações ao povo brasileiro. Com investimentos que superam os R$ 25 bilhões, boa parte destes, oriundos dos cofres públicos, perguntas começaram a surgir, como por exemplo: O que é mais importante para o país? A construção de hospitais ou de estádios de futebol?
Coroar o término de uma gestão governamental com o anúncio de que o país irá sediar o Mundial, não poderia ser mais auspicioso. Porém, talvez o efeito da Copa não seja o esperado pelo governo que a trouxe para solo brasileiro, sobretudo com a politização do esporte.
A contrariedade à Copa do Mundo deveria ter sido proclamada quando se cogitava a hipótese de o Brasil sediar um evento de tamanha grandeza. Desestabilizar o Brasil e torcer para que a nossa seleção não saia vencedora têm sido estratégia de muitos que fazem oposição ao governo estabelecido. Isto é misturar “alhos com bugalhos”. Mas este filme já foi visto:
Na copa de 70 o Brasil foi tri no México e a engenharia política militar se valeu desta conquista, para mostrar uma nação maravilhosa e não um país reprimido pela ditadura. Em 78 os peronistas viviam um tenso momento político e a Argentina criou manobras midiáticas para que os holofotes estivessem voltados aos gramados. Mais uma vez as vitórias abafaram os problemas do país. Em 2008 o esporte também foi usado pela França para “tapar com a peneira” a crise e as polêmicas sobre a corrupção do governo de Sarkozy. Vimos um povo feliz e orgulhoso, fazendo carnaval na Champs Elysées, deixando os problemas de lado. Ou seja, não é de hoje que o futebol serve para mascarar problemas sociais e é utilizado com um fim político.
E em 2014? Quais as cenas dos próximos capítulos? A realização do mundial no Brasil está abrindo feridas de um povo descontente com os serviços públicos oferecidos. Porém, não se enganem, pois há quem esteja tirando proveito disto. Um crime com o orgulho nacional. A camisa canarinho perde o brilho quando a construção dos estádios é objeto de atenção da maioria, ao invés da expectativa de ver a bola balançar a rede.
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RONALDO, EU TENHO ORGULHO!
CLEI MORAES
Analista Político
Na semana que passou, Ronaldo, ex-jogador da Seleção, declarou sentir vergonha pelos atrasos da Copa. Nada contra suas opiniões, ditas com sete anos de atraso. Ele também sabia da realização do mundial desde 2007.
Deixando-o de lado, ando pela rua a poucos dias da Copa e não vejo sacadas ou ruas enfeitadas, mesmo que pudessem estar recheadas de adereços, como em época de desfile cívico. É melancólico!
Quando acesso minhas redes sociais, tem tanto a favor X contra a Copa que a vontade de ser voluntário se perdeu em meio às dúvidas quanto à atual organização e investimento. Será que vai valer à pena?
Nos jornais, a cada nova página virada, há sempre um político envolvido em corrupção, há a Copa do Doleiro Youssef e mega estádios transformados em arenas. Afinal, uma arena vende mais que um estádio.
No caminho de casa, às vezes preciso passar pelo trajeto que leva ao aeroporto. Só consigo ver obras inacabadas, trânsito confuso a ponto de ficar caótico. Penso o quanto foi gasto em estruturas particulares, em acertos com valores que nem consigo imaginar.
No sofá da sala, defronte à televisão, vejo cenas de manifestações, algumas delas violentas, que não param de se repetir. Há sempre uma nova reivindicação, um novo desgosto, um direito a ser conquistado. Tudo o que esperávamos ver, não consigo enxergar.
Dia desses, assisti a presidente em pronunciamento em cadeia nacional. Falou que tudo o que há de bom em nosso país foi conquistado em seu governo ou de seu antecessor. Até acho que uma parcela é verdade mesmo. Mas onde elas estão?
Pra quem não é contemplado com algum tipo de programa governamental, como eu, é estranho ter que ver na tevê uma ameaça com “fantasmas do passado”. Que fantasmas?
Nos programas partidários, todos falam sobre o governo. Ora idolatrando, ora questionando. Nosso debate político passou a ser irracional, sem argumentos, apenas rancor e ódio.
Apesar de tudo isso, Ronaldo, ainda me orgulho porque acredito no brasileiro, porque irei votar, e essa será minha maior manifestação. Ronaldo, toda vez que a bola entrar, com muito orgulho, vou gritar gol!