FLÁVIO TAVARES
Jornalista e escritor
Escrevo de São Paulo, sob chuva intensa na cidade sem água, com ruas encharcadas e torneiras quase secas. A contradição é a cara do que hoje ocorre em todas as áreas do país _ a realidade está à nossa frente, mas é como se não existisse. A TV mostra o leito seco das represas e os paulistanos recitam números apocalípticos. O maior sistema de abastecimento conta com apenas 9% da capacidade e já se usa o “segundo volume morto” (a reserva da reserva), mas seguem lavando calçadas e carros ou abrindo torneiras ao escovar os dentes. Fala-se da escassez sem acreditar nela. O desperdício soa como falso sinal de abundância e tapa a realidade.
E já se anuncia que, em cinco anos, “o progresso” da ciência transformará esgoto em água potável…
É o retrato do desinteresse pela vida e da ignorância do que seja a vida, que (noutras proporções) se repete no Rio Grande. Poluímos os rios cuja água vamos beber, cozinhar e nos banhar. Jogamos neles a pestilência, ignorando que água é vida. E que água não se fabrica nem se cria. A água tem um ciclo eterno. A chuva de hoje é a mesma de milhões de anos, é uma só, que se recicla. Cai e se evapora para voltar a cair. As nuvens não “criam” água, apenas a retêm sob outra forma. Ainda que não se perceba, a água é bem não renovável, síntese da Sinfonia Divina que criou a vida. É o mais precioso bem da Criação.
Até os agnósticos sabem que não se refaz nem se imita a obra da Criação!
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No Rio Grande do Sul, rios e riachos poluídos por pesticidas agrícolas caminham (mesmo lentos) para a morte, como o Tietê e o Pinheiros, que hoje cruzam São Paulo com águas de fedor e espuma dos resíduos industriais e domésticos. O Rio Guaíba ruma também para isso? Há pouco, festejamos a triplicação da indústria chilena de celulose e papel (beberrona e altamente poluidora), sem indagar como isto incidirá na degradação paulatina do rio.
Os lucros serão levados ao Chile e o que ficará aqui para nossos filhos e netos, além de 3 mil novos emprego? Estaremos hipotecando o futuro?
Padecemos de um vício atroz: nos negamos a penetrar na natureza das coisas, ou sequer indagar, para saber a origem. Nada existe por acaso ou a esmo. Tudo tem um início, às vezes imperceptível a quem olhe só para se deleitar. Mas fazemos de conta que não é assim!
E nos surpreendemos com o conluio corrupto entre o poder público e grandes empresas privadas, como no escândalo da Petrobras. O contubérnio começou na construção de Brasília e se fez notório nos últimos anos. Na ditadura após 1964, foi tão secreto quanto outros crimes _ existia mas não se sabia. A Polícia Federal não investigava, pois só vigiava a imprensa e os críticos do regime. O Ministério Público, sem a autonomia atual, era submisso e não piava.
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Tal qual a chuva paulistana com falta d’água, o paradoxo é que não buscamos saber da natureza das coisas que a democracia nos dá. Pensamos que democracia é só “votar”, sem entender em quem e por quê.
O assalto à Petrobras é apenas o lado maior e visível da corrupção geral que une políticos, governantes e grandes empresas privadas. Na última eleição, oito das 13 empresas envolvidas doaram mais de R$ 159 milhões aos três presidenciáveis principais _ Dilma, Aécio e Marina. Por ordem de grandeza, doaram a OAS, Odebrecht, UTC, Queiroz Galvão, Camargo Correa, Mendes Júnior, Engevix, fora as demais, revelou o jornal O Estado de S. Paulo. A campanha de Dilma recebeu R$ 68,5 milhões; a de Aécio, R$ 41 milhões e a de Marina uns R$ 50 milhões. Faltam ainda as doações das outras empresas envolvidas na fraude, com o que o total iria a R$ 290 milhões.
É só ir à natureza das coisas!