(Maristela Scheuer Deves)
Aquela era a cidade mais desassombrada do mundo. Vitor bem que gostaria que não fosse: ele adorava histórias de fantasmas, vampiros e outros seres sobrenaturais. Já pensou a emoção que seria encontrar almas do além vagando pelos corredores, arrastando correntes e gemendo para assustar os mais medrosos? Ele, é claro, não tinha medo de nada. Queria mais era encontrar um desses seres, só não tinha a mínima ideia de como fazer isso.
Que azar, pensava, ter nascido justo ali, naquela cidadezinha esquecida por todos, onde até mesmo os fantasmas se negavam a morar. Já procurara no cemitério, na biblioteca, no porão e no sótão da casa dos avós, naquela ruela escura que todos diziam ser perigosa (e era mesmo, ele quase fora assaltado). E nada. Nadica de nada. Nem um lençolzinho branco para contar a história.
— Você não encontra fantasmas porque fantasmas não existem, nem aqui, nem em outra cidade qualquer — ria o irmão mais velho, fazendo pose de quem sabe tudo.
Mas Vitor não se dava por vencido. Encontrou na internet uma comunidade virtual intitulada “eu acredito em fantasmas” e passou a participar com interesse de todos os debates. Um domingo no começo de agosto, entrou no site e quase não conseguiu acreditar no que via: um fantasma estava anunciando que procurava um lugar para morar.
“Fantasma sem teto busca pessoa simpática para dividir casa. De preferência, casa antiga, mas pode ser nova também. Pode ser até apartamento, na verdade. Sou um fantasminha simpático e organizado, não faço barulho (prometo só arrastar as minhas correntes até as nove horas da noite) e sei fazer vários truques, como atravessar paredes e desaparecer no ar. Interessados, favor deixar mensagem e endereço aqui.”
Excitado, Vitor não perdeu tempo. Escreveu logo um recado, dizendo do seu interesse e contando como era sua casa: grande, antiga, com um grande porão e um sótão espaçoso. Depois, correu contar a novidade ao irmão.
— Você está louco? — enfureceu-se Jacó. — Onde já se viu, dar nosso endereço assim, pela internet, para um desconhecido? E se for um ladrão?
Vitor revirou os olhos.
— Você por acaso já viu algum fantasma roubar?
Jacó desistiu. Não adiantava tentar explicar as coisas para aquele pirralho teimoso.
Enquanto isso, Vitor não cabia em si de emoção. Daquele dia em diante, quase não saía mais da frente do computador, esperando a resposta do tal fantasma sem teto. Demorou três dias até que, enfim, veio a mensagem tão esperada.
“Caro senhor Vitor”, dizia o recado, “fico muito feliz em anunciar-lhe que a sua proposta foi a vencedora. Aqui na cidade onde eu moro não existem mais casas antigas como a que o senhor descreveu. Aliás, praticamente não existem mais casas onde possamos morar. São só prédios, altos e horrorosos, e as pessoas que moram neles não querem saber de nós, pobres fantasmas desamparados. Não acreditam na gente, nos expulsam de seus apartamentos, colocam música alta para não ouvirem as nossas correntes. Chegam até a dizer que não existimos, veja a audácia. Assim, quando comentei com meus amigos que estava me mudando, eles imploraram que eu os levasse juntos. Espero que o senhor não se importe. Nós chegaremos amanhã, à meia-noite.”
Vitor ficou entusiasmado. Em vez de um fantasma, ele teria vários. Quantos seriam? Três? Quatro? Se fossem cinco, seria a glória. Quase contou ao irmão, tão contente estava, mas pensou melhor. Jacó viria outra vez com aquele papo de que fantasmas não existiam e de que era uma armadilha. Pois bem. Quando eles estivessem ali, na sua casa, ele queria ver o irmão dizer que ele era bobo.
Não dormiu nada naquela noite, mas não estava cansado na manhã seguinte. A animação que sentia era suficiente para mantê-lo acordado. No almoço, no entanto, já estava irritado: as horas se arrastavam, e ainda faltava muito para na meia-noite.
— Esse moleque está aprontando alguma coisa — disse Jacó, quando o irmão saiu da mesa direto para a frente do computador.
— Deixa ele… Só está calado — replicou a mãe.
No seu quarto, Vitor vasculhou a comunidade sobre fantasmas no site, em busca de novidades. Quem sabe o seu fantasma tivesse deixado mais algum recado. Quem sabe até tivesse resolvido antecipar o horário de chegada. Mas não — a última mensagem era a do dia anterior.
Por fim, anoiteceu. Vitor resolveu dar uma olhada no sótão e no porão. Durante a tarde, pensara em limpar um pouco esses lugares, empoeirados pelo tempo sem uso, mas resolvera deixá-los como estavam: afinal, para um fantasma, provavelmente quanto mais abandonado parecessem, melhor seria. Quando o relógio marcou onze horas, avisou que estava indo dormir. O que fez, na verdade, foi ficar acordado sob as cobertas, olhando a cada poucos segundos para o mostrador luminoso do celular, contando os minutos que faltavam para a meia-noite.
Sem perceber, acabou caindo no sono. Acordou assustado algum tempo depois, com sussurros em seu ouvido. Abriu os olhos rapidamente, já se preparando para dar uma bronca no irmão pela brincadeira, mas Jacó não estava no quarto. Na verdade, parecia não ter ninguém ali a não ser ele. Mas quem deixara o abajur ligado? Estava uma claridade estranha no quarto… Será que ainda estava dormindo e aquilo era um sonho?
— Senhor Vitor… senhor Vitor, está me ouvindo?
O menino deu um pulo ao ouvir a voz.
— Quem está aí? — sussurrou de volta, com medo até mesmo de falar alto.
— Sou eu, senhor… Gustav, o fantasminha sem teto. Ou melhor, agora eu não sou mais sem teto, já que o senhor me acolheu — respondeu a voz, materializando-se em um fantasma branco e transparente bem ao lado da cama.
— Você veio mesmo — exclamou Vitor, pulando da cama, animado.
— Claro que eu vim, não podia perder uma oferta dessas. Aliás, deixe eu lhe apresentar meus amigos — disse o fantasma, estalando os dedos.
A cada estalo, uma nova forma branca ia surgindo. Vitor ia contando: um… dois… três… outro estalo… quatro… mais um estalo… cinco… seis… sete… e vários outros estalos em sequência… e oito, nove, dez, quinze, vinte fantasmas ao todo apareceram, um ao lado do outro, todos sorrindo e abanando para Vitor. Quase não havia mais lugar no quarto com todos eles ali.
O que ele faria com tantos fantasmas? Bem, era o que sempre quis, não era?, pensou Vitor. E já que eram tantos, o melhor era distribuí-los direito.
— Bem-vindos todos. Agora, vamos nos organizar… Aqui no meu quarto, ficam Gustav e mais um, que isso também não é a casa da Mãe Joana. No quarto do meu irmão — e Vitor deu um sorriso —, lá podem ficar três. No de visitas, outros três… No de meus pais, vamos deixar sem. Os outros se dividem entre o sótão e o porão, combinado?
Murmúrios fantasmagóricos de aprovação, e todos rumaram para seus quartos. Logo Vitor ouviu os gritos do irmão, e se conteve para não correr até lá e dizer um “eu não falei”. No outro dia, convidou alguns colegas de escola para dormirem na sua casa, e a diversão foi grande — ao menos para ele.
A partir de então, ficou conhecido como o menino mais corajoso da cidade, pois morava na única casa cheia de fantasmas naquela cidade até então desassombrada.