
foto Adriana Franciosi, banco de dados
Um dos representantes das letras gaúchas na Academia Brasileira de Letras (ABL), o escritor Carlos Nejar acaba de ter duas de suas obras relançadas pela editora LeYa Brasil, em versões revistas e ampliadas.

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A primeira é uma obra fundamental para quem gosta ou estuda literatura: História da Literatura Brasileira (1.104 págs, R$ 99,90). O livro está à altura de sua extensão, abrangendo desde Pero Vaz de Caminha até autores contemporâneos econcentrando o foco mais nos escritores do que nos gêneros ou nas escolas literárias, como fazem normalmente os trabalhos do gênero.
A nova edição ganhou quatro novos capítulos em relação à anterior, abordando a ficção produzida na década de 1960, a obra de Ariano Suassuna, uma síntese dos autores teatrais e nomes representativos da poesia brasileira nas décadas de 1960 e 1970. Desfilam pelas páginas desde ícones como Machado de Assis até autores mais contemporâneos, como Moacyr Scliar. O volume traz ainda um texto sobre ensaístas, memorialistas, críticos e tradutores.
Já Os Viventes (560 páginas, R$ 69,90) traz a poesia de Nejar, com 300 novas “criaturas-poemas” em relação à versão anterior _ e em cada uma, ele resgata a essência de cada ser retratado, desde personagens bíblicos ou mitológicos até animais e figuras históricas.
Estão ali, por exemplo, Eva, a mãe da humanidade; Adão, depois da queda; Noé, o construtor da arca; o patriarca Abraão; Tomé, o incrédulo; a orelha de Van Gogh; as múltiplas faces de Da Vinci; Descartes e Schopenhauer; Kant e Nietzche; Napoleão Bonaparte e Dom João VI; Brás Cubas e Hamlet; Fernando Pessoa e Walt Whitman. E muitos, muitos outros, numa sequência interessante e instigante.
Por e-mail, Nejar conversou com o Palavra Escrita, falando de seu trabalho e da literatura brasileira em geral. Confira:
Palavra Escrita: Na edição revisada de História da Literatura Brasileira, é incluído o período pós-anos 1960. Na sua opinião, qual o grande nome da nossa literatura surgido neste último meio século?
Existem vários nomes importantes, não um apenas. Há o de Guimarães Rosa, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, Lêdo Ivo, Lygia Fagundes Teles, Nelson Rodrigues, Rubem Fonseca, Dalton Trevisan, Moacyr Scliar, entre outros. Não se pode julgar o tempo apenas por um grande autor, mas pelo conjunto que toma sua voz particular e insubstituível. A minha História muda o pólo— dos gêneros — para o da linguagem. Em regra, com exceções, as histórias da literatura publicadas seguem todas o mesmo paradigma didático, repetindo o que foi dito antes. Busquei fazer algo diferente e inédito entre nós. Referi: todas noções de racionalidade ou “paradigmas consolidados”, armaduras envilecidas por grupos ou sistemas, acostumados a querer dar a última sentença , emudecem diante da história, cultura e inventividade de um povo, crendo que o coração humano não tem fronteiras.
Palavra Escrita: Como o senhor vê a produção literária brasileira atual?
Vejo-a como a mais alta do mundo contemporâneo. Não temos ainda um prêmio Nobel de literatura, mas breve teremos. É uma imposição de justiça. E foi o que afirmou Carlos Fuentes, certa vez, para Emir Monegal: “Vivemos em países onde tudo está para ser dito mas também onde está para ser descoberto como dizer este tudo”. E vamos descobrindo, de viver; descobrindo de inventar, sendo inventados; descobrindo, principalmente, que é valioso um olhar novo, que não descansa no mais fácil, um olhar comprometido com o futuro. Jamais se aceitando que nenhum Brasil existe, salvo se o mundo contemporâneo for tão míope que não possa ver sua presença, ou tão grande que nele se perca um verdadeiro Continente Cultural — o que é impossível. E se muito se tem aprendido com a literatura européia, a Europa tem muito também que aprender com a criação deste Continente.
Palavra Escrita: E a poesia? O Brasil tem bons poetas atualmente?
Excelentes poetas. Basta a citação de alguns nomes — como os de Ivan Junqueira, Lêdo Ivo, Manoel de Barros, Ferreira Gullar , entre outros.
Palavra Escrita: Os Viventes, que também ganha nova edição, é uma obra muito bem trabalhada, trazendo desde “criaturas” bíblicas e mitológicas até outras históricas, tudo sob o formato de poema. Como foi o trabalho de produção desse livro?
É um trabalho de mais de 30 anos, uma espécie de “Divina Comédia humana”, através de personagens-poemas — desde Dante Alighieri, Camões, Cervantes, ofícios humanos e terrestres, figuras bíblicas ou mitológicas. Sua primeira edição saiu em 1979 pela Nova Fronteira com sessenta e poucos poemas ; a segunda se alargou com novos livros e viventes, em 1999. Agora é a edição definitiva com 300 poemas inéditos. É uma galeria da condição humana. O meu mais ambicioso livro. Ali está firme a presença do nosso pampa.
Palavra Escrita: Para a reedição, foram incluídos 300 novos poemas. Ao todo, o livro tem 560 páginas. Há público leitor para um livro de poesias como esse no Brasil?
Creio que há público leitor, sim, para poesia. Os nossos leitores não querem o fácil, mas a visão mais rigorosa e exigente. São leitores que se vão formando dentro do tempo e buscam, onde estiverem nossos livros. Há uma relação íntima entre criador e leitor que ultrapassa a dimensão mercadológica. Nós inventamos os nossos leitores e os leitores nos inventam. Basta dizer que muitos de nossos se esgotaram dentro deste país, dentro do Brasil, que é o Rio Grande.
Palavra Escrita: Falando de mercado consumidor de literatura, como o senhor avalia os índices de leitura no país? O brasileiro ainda lê pouco? Ou isso está mudando?
Seguindo o raciocínio da resposta acima, não podemos ser pessimistas. Com o advento do computador e da fase eletrônica, ainda precisamos basicamente do livro, conquista humana. Se quisermos ler com mais profundidade ou pesquisar mais intensamente. Ainda resta o refúgio dos livros e das bibliotecas. Ademais , apesar de certa mídia pouco fazer pela nossa cultura, os livros, creio, estão mudando a face deste Brasil. Alguns não percebem, mas já estamos no futuro.
Palavra Escrita: Nesse universo, há espaço para os autores nacionais, frente à “invasão” de best-sellers estrangeiros?
É lógico que sempre haverá lugar para os autores brasileiros, que devem ser procurados pela qualidade de visão. Os best-sellers , mesmo estrangeiros, não afastam o leitor de uma busca de conhecimento do universo ou do mundo,com a nossa identidade, o que só nossos criadores poderão revelar. O espelho da terra que amamos não está lá fora, está aqui e dentro de nós.