Alguém bate à porta de uma residência, numa cidadezinha do interior. O dono da casa vem atender, e junto ao homem que bateu, vê um menino de aproximadamente oito anos. Ele acha que o conhece de algum lugar, mas é só quando o garoto diz uma piada e corre abraçá-lo que o reconhece com certeza: é Jacob, seu filho. O garoto poderia ter simplesmente se perdido e sido trazido para casa por quem o encontrou, mas não. Isso porque Harold Hargrave tem mais de 70 anos, e Jacob, seu único filho, morreu afogado há quase meio século.
Assim começa Ressurreição (Verus Editora, 330 páginas, R$ 35), romance de Jason Mott que deu origem à série de TV Resurrection, cuja primeira temporada terminou há cerca de dez dias, no canal pago AXN. O livro, que devorei entre a noite de sexta e a tarde de sábado — afinal, eu simplesmente não podia esperar pela próxima temporada do seriado! —, tem algumas diferenças em relação à versão televisiva, o que quase sempre ocorre em adaptações.
Para começar, enquanto na série de de TV Jacob é o primeiro “ressurgido”, no original ele pode ser o primeiro de Arcadia, a cidadezinha onde se passa a trama, mas não do mundo: enquanto Harold atende à porta, sua esposa, Lucille, está vendo na TV os tumultos causados em outras partes do país por causa dos Ressurgidos. O casal, inclusive, já havia discutido como seria se o filho voltasse — o que, na minha opinião, tira um pouco do impacto do retorno do garoto do mundo dos mortos.
Antes de continuar, um aparte para aqueles que não acompanham Resurrection na TV: não se trata, de forma alguma, de uma trama sobre zumbis. Os Ressurgidos, ou ressuscitados, são aparentemente pessoas normais, que simplesmente aparecem em algum lugar anos depois de sua morte, iguaizinhos a como eram até morrer. Jacob, por exemplo, foi localizado numa aldeia chinesa, enquanto outros ex-mortos de lugares distantes aparecem em Arcadia.
Ninguém sabe o que desencadeou o fenômeno, e as reações a ele variam muito — algo que, no livro, fica bem mais claro do que na série (ponto para o original). Enquanto alguns ficam felizes por terem seus entes queridos de volta, creditando as ressurreições a um milagre, outros acusam os Ressurgidos de serem demônios. Aos poucos, seja no livro, seja na TV, o número dos que voltaram cresce em demasia, e os problemas relativos a isso, também.
No seriado, a raiva do policial Fred porque sua mulher morta voltou e preferiu o amante a ele é que desencadeia a tentativa do Exército de prender todos os Ressurgidos num único lugar. No livro, Fred é apenas um produtor rural cuja mulher não voltou e que, por isso, comanda protestos dos “vivos autênticos” contra os que voltaram e que, naquele momento, foram reunidos pelas forças do governo nas dependências da escola — os “vivos autênticos” que se negam a deixá-los também ficam ali, presos. Aos poucos, o espaço ocupado vai se expandindo, transformando toda a cidade numa espécie de campo de concentração.
E se na série o agente Martin Bellamy é da imigração e envolveu-se por acaso com os Ressurgidos, ao trazer Jacob de volta para casa, no livro ele integra a Agência Internacional para os Ressurgidos. Sua essência, entretanto, é a mesma: ele é um homem bom, como Harold repete várias vezes, e quer proteger Jacob e os outros “iguais a ele”. Não há muito, porém, que ele possa fazer.
Um outro ponto a favor do livro é que, enquanto o leitor acompanha a agonia da família Hargrave sobre o que acontecerá Jacob, acompanha também, em curtos relatos ao final de cada capítulo, a confusão e os dilemas de outros Ressurgidos. O desenlace da trama, inicialmente, deixou-me com uma sensação de anticlímax, mas, depois, fiquei pensando sobre ele e concluí que não poderia ser diferente.
Ficou curioso? Bom, vai ter de aguardar as próximas temporadas, ou ler o livro, para saber mais…
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Curiosidades:
- No seriado, diferentemente do livro, os pais de Jacob são Henry e Lucille Langston, e não Harold e Lucille Hargrave; além disso, o tempo decorrido entre a morte e a volta do garoto é maior no livro: quase 50 anos, contra 30 na versão para a TV
- Na série, Fred (Langston, e não Green, como no livro) é também tio de Jacob, e sua mulher, Mary, morreu no mesmo dia do garoto, também afogada no rio; no livro, ela morreu algum tempo depois, de câncer
- A médica Maggie Langston, filha de Fred na versão televisiva, não aparece no livro
- Em ambas as versões, o pastor da igreja local (cujo nome é Robert Peters no livro e Tom Hale na TV) busca fazer as pessoas terem paciência e aceitarem os Ressurgidos; e, em ambas, ele tem alguém do seu passado que volta — mas, no livro, não é sua ex-mulher, mas sim uma antiga namorada da adolescência
- No livro, o pastor não foi colega de Jacob na escola, visto que ele tem pouco mais de 40 anos, e Jacob, se não tivesse morrido, já teria mais de 50
- No livro, os Ressurgidos que são assassinados não voltam novamente, como ocorre na adaptação
- O livro foi lançado ano passado nos Estados Unidos; no Brasil, chegou em fins de abril, já com a série passando no AXN.