Hoje assisti à reprise de um dos episódios do documentário “Comunismo e Futebol”, transmitido pelo canal Sportv. Um trabalho primoroso, de altíssima qualidade. Fiquei extasiado em frente à TV. E mergulhei em pesquisas sobre a seleção húngara que assombrou o mundo no início da década de 50 – vencendo a Olimpíada de 52, chegando ao vice-campeonato na Copa do Mundo de 54, e perdendo apenas uma partida em seis anos (logo a decisão do mundial da Suíça, contra a Alemanha, por 3 a 2 – tendo um gol legal de Puskas anulado injustamente faltando dois minutos para o encerramento do jogo).
Aquela Hungria do técnico Gusztav Sebes revolucionou o futebol, introduzindo um conceito hoje primordial – preparação física – mas principalmente alterando o paradigma tático da época. Como vocês podem conferir no Resumão de Táticas aqui do Preleção, o primeiro sistema organizado reconhecido no mundo foi o W.M do Arsenal de 1930. Era chamado de W.M porque a disposição dos jogadores no campo (três zagueiros, dois volantes, dois meias e três atacantes) lembrava o desenho destas letras. O Arsenal patrolou adversários e fez com que todos os times e seleções do mundo copiassem o W.M.
Com a Hungria, Sebes conseguiu destravar o segredo do W.M. Afinal, como são duas letras invertidas, os confrontos de times com o mesmo sistema provocavam um espelho completo. Três atacantes x três zagueiros; dois meias x dois volantes. Um verdadeiro encaixe. Mas a seleção que contava com jogadores cerebrais e habilidosos, liderados por Puskas, trouxe uma inovação que repercutiria até no Brasil.
A Hungria jogava no W.W. Simples. Sebes teve a idéia de recuar seu centroavante, Hidegkuti, porque ele não tinha porte físico para trombar com o Stopper (“parador” – posição que daria origem ao nome “zagueiro central” ainda em uso). Com este movimento, o Stopper não sabia se o acompanhava, desguarnecendo a área, ou se ficava parado, permitindo que ele dominasse a bola com liberdade. Nos lados, Puskas e Kocsis eram quase ponteiros, mas também com responsabilidade de conclusão dentro da área.
Sem a bola, a Hungria introduziu ainda o recuo de um dos volantes para a defesa, formando uma linha de quatro zagueiros (movimento que originou a denominação “quarto zagueiro”, utilizada até hoje). Segundo os especialistas das bibliografias disponíveis na Internet que eu consultei, foi este W.W com variação para defesa em linha de quatro que originou o 4-2-4 da Seleção Brasileira campeã mundial quatro anos depois, em 1958, com Pelé.
Sebes também mantinha seus jogadores – graças ao conceito de aquecimento e preparação física – em constante movimentação, trocando de posições. Idéia que é considerada também o embrião do Carrossel Holandês de Rinus Michels de duas décadas depois. Ou seja: a Hungria inspirou ao mesmo tempo o Brasil e a Holanda, uma verdadeira revolução. Uma esquadra quase mítica aquela de Puskas!
Pena que a ditadura comunista da Hungria castigou a seleção pela derrota na final da Copa da Suíça, e aquela tradição do futebol se desfez em represália ao regime totalitário que tentava utilizar o futebol como propaganda política. Outra lástima é a semifinal: após passar pelo Brasil em uma verdadeira guerra – o jogo ficou marcado como “Batalha de Berna”, a Hungria enfrentou o Uruguai nas semifinais, e precisou disputar uma prorrogação. Chegou aos pedaços na decisão, desgastada, perdendo de virada para a Alemanha – isso que teve um gol surrupiado no fim.
Mesmo sem o título Mundial, ela entrou para história do futebol. A Hungria, com seu W.W à la 4-2-4, foi a primeira seleção nacional emblemática. Recomendo a quem ainda não assistiu ficar ligado nesta série “Comunismo e Futebol” da Sportv. Uma verdadeira aula de história. E de futebol.
Postado por Eduardo Cecconi