Após três temporadas e meia, ruiu a fortaleza que sustentava o 3-5-2 à brasileira. O São Paulo deixou a Libertadores; ontem Muricy Ramalho saiu do clube. E assim, com a derrocada do refúgio derradeiro de apoio aos três zagueiros, alas abertos e ligação direta, assistimos ao ocaso deste sistema tático. Os alicerces já haviam trincado quando o mesmo 3-5-2, siamês, deixou de existir no Grêmio. Acabou-se no Sport Recife. No Palmeiras, o fim dele também se aproxima – os resultados devem pressionar uma troca.
Assisti ao jogo de quinta entre São Paulo e Cruzeiro. O São Paulo foi o mesmo time de sempre, repetindo o sistema tático e a estratégia das últimas três temporadas. A derrota, e mais uma eliminação para brasileiros na Libertadores, não foi exclusivamente provocada pelo esgotamento do sistema tático. Contribuiu – e muito – a crise técnica de jogadores importantes, como Jorge Wágner, Hernanes, Washington…a ausência de Miranda, e a lesão de Rogério Ceni. É uma combinação destes dois fatores.
O time se desconfigurou, e sem a base de jogadores, as deficiências do 3-5-2 à brasileira são-paulino emergiram. Antes, os problemas deste sistema tático eram mascarados pelas precisas cobranças de faltas e escanteios do Jorge Wágner, pelas cabeçadas certeiras de Miranda e Aloísio, pelo oportunismo do Borges, ou pela qualidade de Hernanes nos chutes de média distância. Apagadas as estrelas, apareceram os defeitos táticos.
O São Paulo joga (ou jogava) apostando tudo na bola pelo alto. Com jogo em andamento, a estratégia principal de articulação baseava-se em um movimento sincronizado dos atacantes: Washington (antes Aloísio) recua para a intermediária, puxando a marcação; e Borges avança na diagonal às costas deste zagueiro.
E de longe, os próprios zagueiros do São Paulo se incumbiam de lançar Washington. A intenção não era fazer o centroavante dominar, mas apenas disputar a bola, para que ela sobrasse limpa nos pés de Borges. No Grêmio, a mesma estratégia foi utilizada ano passado: Pereira lança de longe, Marcel disputa no alto, Perea pega a segunda bola. Sem meio-campo nem posse de bola, Pereira era o camisa 10. O armador do time.
Reparem nos gols mais recentes do São Paulo. Contra o Santo André, por exemplo. Ou contra o Defensor. Independiente Medellin. Time encaixotado, poucas alternativas, sem controle da partida ou posse de bola. Sem variações, sem infiltrações, sem bola no chão. O que fazer? Bola longa no Washington, trombada, rebote de Borges: gol. Quase um movimento de quarter-back para wide receiver.
A segunda estratégia era jogar pelos lados com os alas abertos, para buscar cruzamentos que originassem ou jogadas aéreas, ou escanteios para as jogadas aéreas; ou então conquistar faltas laterais, com o mesmo propósito.
Sem a bola, o São Paulo sempre apostou na marcação por função, e no bloqueio da área, com força física e muita consistência. O sucesso do São Paulo em três temporadas de grandes títulos fiou-se na solidez defensiva, na competitividade, na disciplina tática, no talento de grupos qualificados, e na eficiência ofensiva, aproveitando as poucas chances criadas. Defesas menos vazadas, ataques suficientemente positivos.
Mas esta estratégia se esgotou. A bola lançada para Washington não respingava mais nos pés de Borges; a jogada pelos lados foi bloqueada; as faltas laterais e escanteios e cruzamentos passaram a ser bem marcados, ou evitados na origem. Aliada à previsibilidade do sistema tático, houve a citada crise técnica dos jogadores que antes decidiam, e se sobrepunham às decisões táticas.
O São Paulo do Muricy lançou moda, e será durante muito tempo uma referência tática histórica no futebol brasileiro: o 3-5-2 competitivo e eficiente. Vencedor. Fez escola, encontrou seguidores, e é reproduzido fielmente em todo o país, por clubes pequenos ou grandes. Mas o ciclo acabou. Qual será o próximo 3-5-2 sem meio-campo que vai ruir?
Postado por Eduardo Cecconi