Quem lê o blog Preleção sabe que sou um grande admirador do sistema 4-4-2 britânico, o famoso “duas linhas de quatro”, lá chamado apenas de four-four-two. E que sempre defendi a aplicação deste 4-4-2, com todos os seus aspectos menores, no Brasil, sem compreender os motivos que o levam a ser tão raro no país.
A dupla Gre-Nal está utilizando o 4-4-2 em duas linhas. Primeiro o Grêmio, com Paulo Autuori, que escolheu este sistema como o preferencial da equipe; e depois o Inter, com Mário Sérgio, que alterna o uso dele com o do 3-5-2 (sei que Tite usou as duas linhas em três oportunidades, mas sempre quando teve jogador expulso – Estudiantes em La Plata, Cruzeiro no Mineirão, e Avaí na Ressacada; nunca no 4-4-2, sempre no 4-4-1).
Mas a importação foi incompleta. Faltaram no kit de Autuori e Mário Sérgio dois itens de série imprescindíveis para o sucesso do 4-4-2 britânico: linhas adiantadas, e marcação em pressão alta por zona. Tanto Grêmio quanto o Inter têm demonstrado muitas falhas nas transições, ou da posse para a perda (contra-ataque adversário), ou da recuperação para a posse (o próprio contra-ataque).
Reparem no diagrama tático que ilustra o post. É uma situação hipotética de triangulação pela esquerda, com o meia-extremo e o lateral do setor abertos, mais a aproximação do segundo atacante. No outro lado, o lateral fica na base e o meia-extremo fecha para a área. Meio-campistas ficam por dentro.
O primeiro exemplo está errado, mas é o que Grêmio e Inter fazem. O time fica completamente desagrupado. Os dois meio-campistas centrais não avançam o suficiente para pegar a segunda bola. E o pior: a linha defensiva permanece na entrada da grande área. A área destacada em branco mostra que na verdade a equipe tem apenas dois jogadores no meio-campo. E, em caso de perda da posse, proporciona ao adversário muitos espaços para trabalhar, e provável supremacia numérica no meio.
O segundo exemplo é o correto, aplicado pelos clubes ingleses. Para este 4-4-2 britânico dar certo, a linha defensiva obrigagoriamente tem de se adiantar. Obrigatoriamente! É este movimento sincronizado, posicionando os zagueiros e o lateral-base na intermediária, e não na entrada da área, que compacta a equipe. Tira espaço do adversário, impedindo facilidade no contra-ataque. E empurra os meio-campistas centrais para a segunda bola, ou pelo menos um deles, guardando o outro para a cobertura do lateral que está apoiando.
Futebol é espaço e tempo. Principalmente, espaço. Toda a estratégia do futebol se resume à ocupação inteligente dos espaços, bloqueando o adversário com posicionameno correto, e encontrando os espaços abertos por ele. No tempo certo, claro. Se neste 4-4-2 Grêmio e Inter não adiantam as linhas, ocupam mal os espaços, e dificultam a própria vida.
O adiantar das linhas, mesmo com a posse de bola, permite ainda a segunda prática essencial deste 4-4-2, muito utilizada pelo Liverpool: a marcação sob pressão alta, por zona. Perdeu a bola? Os dez jogadores de linha já estão sufocando e tirando espaços do adversário. Bem posicionados, o que permite a cada um atuar em sua zona, mas linhas à frente. Vejam as duas simulações no diagrama tático que ilustra o post: em cima, muitos espaços; abaixo, agrupamento total. Equipe compacta.
Mário Sérgio fez isso contra o São Paulo em alguns momentos da partida. Já Autuori manteve as linhas recuadas, com o consequente desagrupamento e perda do meio-campo, em todo o campeonato. Quem vê, pode pensar que o 4-4-2 e duas linhas não dá certo, por isso não era utilizado no Brasil. Ele dá certo sim. É só importar o kit completo.
Postado por Eduardo Cecconi