A disseminação do 3-5-2 e de todas as suas variações no futebol brasileiro, endossada pelos títulos conquistados pelo técnico Muricy Ramalho, tem entre suas principais justificativas a necessidade permanente de uma “sobra”. Esta figura do “zagueiro da sobra” – que substituiu o extinto líbero, no Brasil - a estratégia defensiva que se tornou uma obsessão por aqui. Para mim, fenômeno de difícil compreensão.
O zagueiro da sobra atua entre dois outros zagueiros. Estes marcam individualmente por função os eventuais dois atacantes adversários. Funciona da seguinte forma: os zagueiros dos lados perseguem os atacantes por onde eles forem. E o da sobra permanece posicionado, caso algum destes companheiros de defesa seja vencido. Para a cobertura.
É tão grande a obsessão pelo zagueiro da sobra que alguns técnicos fingem jogar no 4-4-2, mas não se desapegam dos três zagueiros. No Rio Grande do Sul, Paulo Porto fez isso pelo Brasil de Pelotas contra o Inter B recentemente. Um 4-4-2 com três volantes. Na prática, entretanto, um 3-5-2: o primeiro volante recuava para marcar individualmente um atacante, o zagueiro-central fazia a perseguição do centroavante, e o quarto-zagueiro formava a sobra.
O problema está na formação da sobra associada à marcação individual por função. Como o zagueiro da sobra é o único que mantém posicionamento, torna-se refém do desempenho individual dos companheiros. O primeiro perseguidor que falhar tecnicamente na marcação vai permitir ao adversário partir com espaço e em 2-1 sobre o “zagueiro da sobra”.
Os sistemas com linha defensiva de quatro jogadores – sejam eles o 4-4-2, o 4-3-3, o 4-5-1 e as variações de todos eles – sempre resolveram muito bem este problema. Primeiro, com a marcação por zona. Quatro faixas de campo paralelas às linhas laterais delimitando a área de atuação de cada jogador, que exerce pressão sobre o adversário que ingressa no seu respectivo espaço COM a bola. Todos os demais mantêm o posicionamento inicial.
E a sobra não é ignorada. No diagrama tático que ilustra o post, por exemplo, está uma das soluções óbvias da linha de quatro defensiva. A basculação. Suponhamos, como sugere o desenho, que o lateral-esquerdo subiu e o adversário contra-ataca às suas costas. Identificada a faixa de atuação do oponente, a linha defensiva – com os três jogadores remanescentes – movimenta-se de maneira sincronizada.
O quarto-zagueiro assume a zona do lateral-esquerdo; o zagueiro-central assume a zona do quarto-zagueiro; e o lateral-direito assume a zona do zagueiro-central. Com esta basculação, está formada a sobra: um homem na bola, um na cobertura, e um terceiro que pode ingressar em diagonal às costas dos companheiros para uma sobra complementar.
O Barcelona – vejam aqui, no 4-3-3, faz isso para proteger Daniel Alves. A zaga “bascula”, sem abandonar a marcação por zona e, portanto, sem “variar para o 3-5-2″, como alguns analistas erroneamente vêem estes movimentos – o fato de o lateral-base participar da basculação não o torna um terceiro zagueiro. É um movimento natural da linha defensiva de quatro jogadores.
Há ainda outra solução, também comum a estes sistemas: o uso dos volantes para a cobertura pelos lados. O volante assume a zona desguarnecida (ou por um lateral ou por um zagueiro que subiu e está sendo contra-atacado pelas costas) e recompõe a linha de quatro. O Barça, acredito, não se utilize deste movimento porque atua no 4-3-3 com triângulo alto, e se aplicar seu único volante na cobertura de Daniel Alves, abrirá a frente da área. Busquets permanece atento à segunda bola, e às infiltrações pelo meio.
Coloco estes movimentos em debate para desconstruir um pouco esta ideia cada vez mais arraigada no Brasil, de que o 3-5-2 “protege melhor a defesa” em função do “homem da sobra”. Não é verdade. Qualquer sistema que se utilize de linha defensiva combinada à marcação por zona tem alternativas para contar com um jogador a mais do que o número de adversários no ataque. E com a vantagem de não usar a pouco eficiente marcação individual por função.
Postado por Eduardo Cecconi