Retomo hoje a série de posts que dissecam o livro Inverting the Pyramid, do jornalista inglês Jonathan Wilson, chegando a um dos assuntos que mais nos interessam: o surgimento, no Brasil, do sistema 4-2-4 – responsável por mais uma revolução tática no futebol, e também pelo arquivamento do W.M e suas variações.
Vários treinadores reivindicaram a paternidade do 4-2-4, ou então tiveram esta paternidade atribuída por alguém. Certo é que Vicente Feola chegou à Copa de 1958 com um forte legado de boas referências para a consolidação de um sistema que foi se desenhando em diversas partes, em equipes treinadas por nomes como Zezé Moreira, Fleitas Solich, Bélla Guttman e Flávio Costa – técnico do Brasil nas copas de 50 e 54.
O principal elemento catalizador da transição, no Brasil, do W.M para o 4-2-4 foi a indisciplina tática dos jogadores brasileiros. Com a imigração de técnicos húngaros, fugindo da Segunda Grande Guerra, o nosso futebol recebeu grande contribuição na evolução tática. Mas todos esbarraram na inviabilidade de aliar qualidade técnica e comprometimento coletivo. Os jogadores brasileiros não queriam obedecer o rígido posicionamento, nem executar a marcação individual por função do W.M.
Flávio Costa fez grande sucesso no início da Copa de 50 aplicando na Seleção Brasileira um desenho tático que Jonathan Wilson chama de “diagonais”. É uma variação do W.M, com meio-campo formando um paralelograma. O problema foi ter retornado ao W.M tradicional na decisão com o Uruguai, em um imperdoável impulso defensivista. Notem, no diagrama tático abaixo, como funcionava. Na prática, ele desfez o quadrado de meio-campo do W.M (um 3-4-3), aproximando um volante da linha defensiva, e um meia-ofensivo dos três atacantes – tornando-o um ponta-de-lança:

Este desenho estava próximo de um 4-2-4. De mesma forma, quando os húngaros fizeram seu M.M, o recuo do centroavante para a ponta-de-lança e o avanço dos meias ofensivos também configuravam um embrião do eterno sistema brasileiro. Como sempre, a nova tendência viria da inteligência de treinadores que souberam adaptar um padrão tático às características culturais do futebol local.
Feola se beneficiou destas variações húngaras e brasileiras. Zezé Moreira percebeu que os jogadores do Fluminense não conseguiam se adaptar à marcação individual por função e criou a marcação por zona no W.M. Costa lançou as diagonais. Martim Francisco, no Vila Nova-MG, recuou ainda mais o volante, e avançou ainda mais o ponta-de-lança, em movimento que Jonathan Wilson considera o primeiro 4-2-4 identificável, em 1951. Fleitas Solich fez o mesmo no Flamengo de 53, e Bélla Guttman no São Paulo de 56.
Para a Seleção Brasileira de 1958, o 4-2-4 encaixou perfeitamente à característica do elenco. Pelé, na ponta-de-lança, reunia os elementos requeridos pela função de assessorar o centroavante, criando e concluindo. Garrincha, declaradamente indiscplinado taticamente, abriu pela direita e teve liberdade para brincar. A compensação vinha na esquerda, com o estratégico recuo por dentro de Zagallo. Zito e Didi marcavam e faziam a qualificada saída de jogo. E Bellini, recuado para ser o “quarto zagueiro” – função que até hoje recebe este nome por aqui, recebia autorização para ganhar o meio-campo.
Notem que o avanço eventual de Bellini, e o recuo sincronizado de Zagallo, davam ao Brasil vez que outra a cara do 3-4-3 – o W.M. Com a diferença da variação inovadora da linha de quatro na frente, e principalmente a marcação por zona na linha defensiva – que ganhava laterais, o que evitava as perseguições encaixadas do sistema anterior, responsáveis pelos buracos na área. Um sistema novo que, aliado à qualidade técnica e ao improviso incomparável de Pelé, Garrincha, Didi, Zito…, fez o Brasil vencer com sobras as copas de 58 e 62.
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Postado por Eduardo Cecconi