Costuma-se dizer que os moribundos tendem a apresentar súbita melhora antes da morte. Um suspiro de consciência. Segundo o jornalista inglês Jonathan Wilson, no livro Inverting the Pyramid, isto aconteceu com o modelo de jogo vigente na Itália durante a Copa do Mundo de 1982.
A seleção da Itália reproduzia o “gioco all’italiana” utilizado pela maioria dos clubes nacionais desde a década de 70. Conforme descreve Jonathan Wilson – simulo a distribuição italiana no diagrama tático que ilustra o post – o sistema tático era o 4-4-2, com três peculiaridades: um líbero, um lateral-base, e um meio-campista lateralizado.
Mesmo contando com apenas dois zagueiros, um deles jogava como líbero. Inspirado no modelo holandês. O líbero precisava ser um jogador técnico e inteligente, para combinar qualidade na saída de jogo – bons passes, lançamentos precisos – com discernimento para saber quando se projetar, e quando recuar. Na seleção, Scirea exercia este papel, tendo ao lado o zagueiro Collovati. Gentile, na teoria, era um lateral-direito, mas na prática precisava guardar um posicionamento inicial mais rígido, centralizando quando necessário, e apoiando pouco.
Na esquerda, o lateral Cabrini tinha autorização para avançar. A compensação, equilibrando a transição entre os dois lados, se dava com o meia Conti, um jogador que atuava aberto pela direita, como os wingers britânicos. Segundo Jonathan Wilson, posição na Itália chamada de “tornante”.
O meio-campo tinha um volante marcador, com um meia ofensivo pela direita, e um organizador pela esquerda. Este desenho quase lembra o 3-5-2- “moderno”, com dois defensores, um líbero (sem a obrigação da sobra, mas sim um líbero de verdade), e avanço pelos dois lados. Mas o sistema com três zagueiros ainda não havia surgido – em breve vou colocar em debate aqui no blog Preleção este assunto – e a base tática do gioco all’italiana era mesmo este 4-4-2 cheio de compensações e desalinhos.
O aspecto mais importante, entretanto, era estratégico: marcação individual. Nove jogadores de linha marcavam individualmente. Somente o líbero (camisa 6) não perseguia ninguém de forma fixa. No Campeonato Italiano, onde praticamente todas as equipes atuavam da mesma forma, o espelhamento se dava pelos números das camisas: o tornante, camisa 7, marcava e era marcado pelo lateral-esquerdo (número 3), e assim por diante, de maneira previsível.
Funcionou na Copa, contra a Argentina, tendo a marcação individual anulado Maradona. Também funcionou contra o Brasil, graças ao dia iluminado – é evidente – de Paolo Rossi na frente. Mas estava por um fio. E foi abandonado este 4-4-2 com marcações individuais no momento em que a favorita Juventus de Giovanni Trapattoni perdeu a final da Champions League de 1983 para o Hamburgo, da Alemanha.
A Juventus contava com a base da defesa italiana de 82 – Scirea, Gentile e Cabrini. Tinha ainda Michel Platini como o articulador, Boniek como o meia ofensivo, e Paolo Rossi na área. Mas Ernst Happel, técnico dos alemães, havia estudado as deficiências proporcionadas pelas múltiplas marcações individuais. Em seu 4-4-2 típico da Alemanha à época – com líbero e meio-campo em losango – inverteu o segundo atacante, para jogar às costas do lateral-esquerdo.
Refém da marcação individual, Trapattoni mandou o marcador acompanhar o atacante para não sobrecarregar Cabrini, e desguarneceu o outro setor – a direita. Perdida, a Juventus levou 1 a 0, gol de Felix Magath, sepultando este modelo tático. O mesmo Hamburgo, poucos meses depois de bater a Juventus de Platini, perdeu a decisão do Mundial Interclubes para o 4-3-3 do Grêmio, em Tóquio.
Leiam mais sobre o livro “Inverting the Pyramid”:
1) Primeira tática do futebol se inspirou no rugby
2) Novo impedimento provoca 1ª variação tática
3) As primeiras escolas clássicas de futebol
4) O revolucionário W.M de Herbert Chapman
5) Itália reúne dois sistemas e cria o W.W
6) Russos inauguram as trocas de posições
7) A interpretação dos húngaros para o W.M
8) O 4-2-4 do Brasil bicampeão Mundial
9) Zagallo disseminou as variações táticas
10) A gênese da catimba argentina nos anos 60