A recente rugbyzação do futebol brasileiro provoca uma situação curiosa: o convencional 4-3-3, cujo prazo de validade expirou em nome do defensivismo e dos três zagueiros, protagoniza uma revolução. O desempenho do Santos, que resgata da pré-extinção o sistema com três atacantes e dois meias, divide a opinião pública e ofende quem se enrijeceu pela filosofia do “barro no calção”, que associa competitividade em relação diretamente proporcional com o número de zagueiros e volantes combativos.
A repercussão soa estranha porque o Brasil reproduz sistematicamente as tendências táticas europeias. Foi assim com a importação do 3-5-2, que fez sucesso na Copa de 1986 com Argentina e Dinamarca, e depois se disseminou no futebol italiano. O mesmo aconteceu recentemente com a “chegada” do 4-2-3-1 que embala o Arsenal como seu principal representante. E até mesmo com o 4-4-2 em duas linhas, o four-four-two britânico nascido nos anos 70 e comum em países como Alemanha e Espanha, mas considerado uma novidade por aqui.
Na Europa, o 4-3-3 “está na moda”. O que leva à conclusão lógica: teria de desembarcar no Brasil. Este é o sistema considerado completo e ideal pelo técnico José Mourinho, que transita entre os três atacantes e o 4-4-2 em losango nas equipes que comanda; é o sistema do Barcelona, multicampeão há duas temporadas; é o “default” da seleção holandesa; também é “template” das equipes comandadas por Guus Hiddink; e com tantos exemplos bem sucedidos, influencia equipes menores. O Catania, recentemente analisado aqui no blog Preleção; ou o Villarreal, sobre o qual debatemos nesta semana. E muitos outros.
No Brasil, entre os grandes, o padrão é ter três zagueiros. Tendência que sofre leve queda devido aos insucessos recentes de Muricy Ramalho e Celso Roth, seus principais praticantes. O 4-3-3 foi praticamente abandonado, abolido, alijado, a partir do recuo do ponta-esquerda para o meio-campo – o “quarto homem”, na transição dos anos 80 para a década de 90. A partir daí, usar três atacantes foi considerado antiquado, fora de moda, pouco eficiente. Títulos, pensamos todos os brasileiros (ou quase), conquistam-se com fortalezas defensivas e especulações na bola parada.
Não é necessário fazer comparações entre elencos. Seria inócuo listar Barcelona, Chelsea, Holanda, Rússia ou qualquer grande time-seleção da Europa que se utilize do 4-3-3, ao lado do Santos. E quem critica o time de Dorival Júnior amparado neste contraste se perde. Também não contribui a comparação entre campeonatos e adversários, afinal, ela está atrelada à qualidade dos jogadores. Essa tentativa de desqualificar o 4-3-3 santista é vazia.
A comparação é tática. O Santos joga no 4-3-3 com triângulo de base alta no meio-campo – um volante, e dois meias. A estratégia permite o apoio de ambos os laterais, e a passagem do único volante. Todos os jogadores têm qualidade técnica e mobilidade para sincronizar alternâncias de posicionamento, trocas de funções, tabelas e uma enormidade de movimentos que fica difícil listar. Exatamente como fazem todas as equipes que se utilizam do até então – no Brasil – sepultado 4-3-3. Sistema que Mourinho diz ser o mais completo porque proporciona, segundo ele, a mais equilibrada ocupação de espaços em todos os setores.
O futebol brasileiro, sempre permissivo com as tendências táticas lançadas na Europa, vacinou-se contra o aporte do 4-3-3 por aqui. Não se deixou influenciar por Barcelona, Chelsea, Guus Hiddink, ou qualquer outro clube, seleção ou treinador adepto dos três atacantes. O Santos furou o bloqueio dos defensivistas. O Santos é tipo um vírus que corrompe o enrijecimento das nossas análises. Que o futebol brasileiro se deixe influenciar por esta tendência.