Entre as 32 seleções que disputam a partir de sexta-feira a Copa do Mundo, pelo menos 18 têm no 4-4-2 britânico o sistema preferencial, ou a alternativa imediata. Fato que ajuda o blog Preleção a resgatar a série de posts sobre o livro Inverting the Pyramid, do jornalista inglês Jonathan Wilson – uma enciclopédia sobre a evolução do planejamento tático no futebol mundial. Interrompi o debate em 13 de abril, e agora retomo a resenha desta obra-prima com o capítulo sobre o surgimento do 4-4-2 em duas linhas – chamado por Wilson de “Pragmatismo Inglês”.
A estratégia aplicada a este 4-4-2 em duas linhas nasceu em 1973, no Estádio Anfield Road, casa do Liverpool. Após derrota para o Estrela Vermelha por 2 a 1, que provocou a eliminação na Champions League, dirigentes e integrantes da comissão técnica dos Reds se reuniram para buscar as causas do insucesso. E diagnosticaram: o “pessoal do continente” sabia como ninguém controlar a posse de bola.
Era preciso aprender a jogar com a bola nos pés. E, para isso, a equipe precisaria se compactar. Formar duas linhas, adiantar a primeira, compactar um pelotão de oito jogadores. Assim, o Liverpool teria linhas de passe. A ideia que justificou este planejamento tático partia do seguinte princípio: o jogador que tivesse a bola contaria sempre com pelo menos duas ou três opções de passe curto. Os Reds jogariam sem pressa, trocando passes no campo adversário, “rodando” o jogo, “girando” a bola, de pé em pé, até desorganizar a defesa adversária, abrir espaços, e conseguir uma infiltração pelo chão.
Os pensadores do Liverpool também imaginaram que esta iniciativa de controle da posse de bola deveria partir da defesa. Zagueiros trombadores, sem qualidade, foram trocados por defensores com capacidade de fazer o primeiro passe. A partir dali, os meias-centrais – com opções próximas na direita, na esquerda, à frente, atrás – poderiam antever os próximos movimentos da equipe. E promover uma linha de passe que levasse o Liverpool ao gol adversário.
Este ideal estratégico do 4-4-2 em duas linhas, entretanto, foi adaptado rapidamente à necessidade de times menores. Watford e Wimbledon obtiveram sucesso utilizando-se deste sistema para jogar em contra-ataques. O contrário do que propunha o Liverpool.
Agrupar-se não para trocar passes, e sim para retirar espaços. Adiantar as linhas de marcação e forçar com pressão alta o erro adversário. Recuperada a bola, aqueles jogadores de defesa com qualidade fariam o passe longo na direção dos wingers, em transições ofensivas fulminantes. Logo a figura do centroavante de referência foi incluída nesta nova estratégia. Nascia o criticado estilo de jogo dos ingleses nos anos 80: ligação direta, força física na marcação, bola aérea, e pouca posse de bola.
Peço ajuda a vocês para localizar informações que Jonathan Wilson não especificou no Inverting the Pyramid. O autor não precisou como se deu o redesenho tático do Liverpool em 1973. Wilson fala com muita propriedade sobre a nova estratégia (linhas adiantadas, posse de bola, paciência, qualidade na saída, predição dos movimentos, proximidade dos jogadores) mas não localiza exatamente como se deu a configuração tática. Ou seja: que formação tinha o Liverpool, e principalmente que peças foram movidas para se desenhar o 4-4-2 em duas linhas? Quem souber, sinta-se à vontade para trazer estes detalhes ao debate.
Para encerrar, há linhas que atribuem à seleção da Inglaterra na Copa de 1966 a criação das duas linhas. Na verdade, como o próprio Wilson explica no Inverting the Pyramid, os ingleses apresentaram naquele Mundial o primeiro 4-4-2 que se tem registro, mas com desenho em losango no meio-campo. Não era, portanto, o 4-4-2 britânico, que nasceria sete anos depois em Anfield Road.
Leiam toda a série sobre o livro “Inverting the Pyramid”:
1) Primeira tática do futebol se inspirou no rugby
2) Novo impedimento provoca 1ª variação tática
3) As primeiras escolas clássicas de futebol
4) O revolucionário W.M de Herbert Chapman
5) Itália reúne dois sistemas e cria o W.W
6) Russos inauguram as trocas de posições
7) A interpretação dos húngaros para o W.M
8) O 4-2-4 do Brasil bicampeão Mundial
9) Zagallo disseminou as variações táticas
10) A gênese da catimba argentina nos anos 60
11) O futebol total do carrossel holandês
12) Brasil de 1970: o último romântico