Apesar de todas as ressalvas que os mais cautelosos possam fazer (já li opiniões depreciando a qualidade geral do time da Austrália, atribuindo a goleada à defesa dos “Socceroos”, etc, etc…) o desempenho da Alemanha no 4 a 0 de hoje é digno de almanaque sobre teoria tática. Vale a pena registrar o funcionamento do 4-2-3-1 organizado pelo técnico Joachim Löw na vitória sobre a Austrália.
A Alemanha de Löw aproximou-se do funcionamento ideal do 4-2-3-1. Partindo de algumas premissas estratégicas fundamentais para tal: adiantar as duas linhas do meio-campo, e compactá-las; permitir aos extremos a variação constante entre linha de fundo e diagonal do lado para o meio; dar liberdade ao meia-ofensivo central para transitar de lado a outro, avançar ou recuar conforme a circunstância exigir; autorizar o apoio de pelo menos um volante e um lateral.
Esta diversidade de movimentos, sincronizados, criou na articulação alemã aquilo que na Espanha (Paulo Autuori democratizou este conceito por aqui) chamam de “pequenas sociedades”. Graças, principalmente, à circulação de Özil. O camisa 8 foi o meia-ofensivo central. E ditou a organização da seleção de Löw, aproximando-se do meia-extremo que tivesse a posse de bola. Nem Müller na direita, nem Podolski na esquerda ficaram abandonados. Quando um deles recebia a bola, logo recebia a aproximação de Özil.
A saída constante de Özil para os lados, além de beneficiar os wingers, abria um corredor interessante para o avanço do volante Khedira. O meia-central arrastava a marcação, já desorganizada por esta movimentação. Escancarava-se, com isso, o corredor para Khedira. O mesmo se dava pelo lado direito, quando Müller ingressava na área, permitindo a Lahm apoiar com qualidade. Na esquerda, Schweinsteiger mais se preocupou em guarnecer o setor para Podolski avançar, enquanto Badstuber assumiu a função do lateral-base, responsável pela basculação defensiva com os dois zagueiros.
Esta sincronia de movimentos do 4-2-3-1 da Alemanha é uma boa referência para os técnicos brasileiros. Raramente, alguns tentam importar este sistema. E quase nunca fazem da maneira correta. Recentemente Silas, por exemplo, aplicou o 4-2-3-1 ao Grêmio. Mas com estratégia defensiva e posicionamentos iniciais rígidos. Recuou a segunda linha do meio-campo, e não permitiu movimentação a nenhum deles. Foi previsivelmente marcado, e ainda isolou o único atacante, desabastecendo-o. O erro desta importação equivocada do 4-2-3-1 é enrijecer o posicionamento inicial dos meias ofensivos, e atrasar as linhas do meio-campo. É preciso adiantá-las, e criar mecanismos de aproximação constante entre estes jogadores, de onde nascem as combinações, e se abrem os espaços.
O sucesso de hoje do 4-2-3-1 alemão deve-se necessariamente à liberdade conferida a Özil. A movimentação do meia-central “colocou no jogo” os dois extremos – Müller e Podolski – mantendo a posse de bola sob controle, com passes curtos, e desorganizou o sistema defensivo adversário. A Austrália não encontrou Özil em campo. E na tentativa de capturá-lo, provocou um efeito dominó de problemas: quando enfim encontrava Özil, desmarcava Podolski, que pela movimentação desmarcava Müller…e assim sucessivamente. Sempre tinha um alemão livre. Uma aula de 4-2-3-1. Gostei muito do que vi hoje. Parabéns a Löw e a seus jogadores. Tomara que não tenha sido uma exceção, e que o desempenho da Alemanha siga em alto nível, nos privilegiando com belos jogos.