Períodos históricos sucedem-se pela necessidade de grandes mudanças, a partir de constatações ou descobertas. Foi pela agricultura e pela pecuária que os povos nômades passaram da Pré-História à Idade Antiga; os grandes impérios foram substituídos por pequenos feudos independentes; o comérico restabelecido provocou o início da Idade Moderna; o fim da teocracia e as reunificações nacionais marcaram a transição para a contemporaneidade.
O mesmo acontece na literatura. Novas escolas em contraposição às estabelecidas, como na objetividade parnasiana em sequência ao romantismo subjetivo. E em praticamente todas as demais áreas do conhecimento humano. Um novo pensamento modificando o padrão vigente, respondendo perguntas antes desconhecidas ou ignoradas, procurando soluções ao esgotamento dos modelos decadentes.
No futebol é diferente. As novas eras não contrapõem as anteriores. Agregam-se a elas, e as complementam. Ampliam a paleta de características com a qual o futebol se colore à observação pública.
Em sua gênese, o futebol prescindia da coletividade. Era um esporte individual, mesmo em equipes. Sua primeira Era foi técnica. Os jogadores foram desenvolvendo fundamentos, qualificando o passe, a conclusão, descobrindo o uso da cabeça no contato com a bola. O indivíduo acima do coletivo.
Depois veio a Era Física. Desenvolvimento da preparação, sem se contrapor à técnica. O futebol não abandonou a valorização da habilidade individual. Mas agregou ao talento natural o condicionamento físico. O importante, além de saber jogar, era ter força e fôlego para se impôr ao adversário.
Massificado, envolvido em interesses populares, o futebol viveu também uma Era Psicológica. Motivação, concentração, comprometimento, empenho, entrega, aguerrimento. Novamente, sem alijar os períodos anteriores do processo. Somou à técnica e ao condicionamento físico o preparo emocional.
O Mundial da África do Sul apresenta-se como o marco de uma nova fase. A Era Tática. O futebol enfim como um esporte coletivo, sobrepondo a organização e o planejamento às virtudes já adquiridas. Jogadores técnicos, em condicionamento físico de alto nível, motivados e equilibrados emocionalmente, mas profundamente ligados a aspectos como posicionamento e cumprimento de funções complexas.
Essa constatação, entretanto, não menospreza todo o desenvolvimento tático que aconteceu paralelamente às eras anteriores. A evolução analisada pelo jornalista britânico Jonathan Wilson no livro Inverting the Pyramid é oportuna, relevante, e justa. Os treinadores sempre buscaram aliar a organização coletiva às questões individuais. Desde o começo, com o 1-2-7, passando pelo 2-3-5, pelo W.M, pelo W.W, pelo 4-2-4, pelo 4-3-3, pelo 4-4-2, pelo 3-5-2, pelas duas linhas, pelo 4-5-1 e todas as suas variações…desenvolvendo à reboque estratégias diferentes, combinadas a sistemas de marcação.
Mas as grandes referências são isoladas. A revolução do 4-2-4 brasileiro no final da década de 50 influenciou toda uma geração de times e seleções, assim como aconteceu ao W.M de Herbert Chapman, ou ao 4-3-3, ou ao 3-5-2 das copas de 86 e 90. Padrões disseminados, comprados como verdades absolutas pelos demais. A exceção é o 1-3-3-3 do Carrosel Holandês, que conseguiu ser diferente em meio aos modelos rígidos compartilhados pela maioria.
Na África do Sul houve mais do que isso. Em um único Mundial, assistimos a variados sistemas táticos. Praticamente todas as seleções com uma característica própria. Não houve um padrão de comportamento, nem tático, nem estratégico.
As quatro semifinalistas são equipes organizadas. Holanda, Uruguai, Alemanha e Espanha têm craques, têm bons jogadores, mas sem nenhuma individualidade de supremacia absoluta sobre os demais mortais da Terra. Contaram com grandes atletas, técnicos e talentosos, bem condicionados e concentrados.
Mas quem é o craque indiscutível da Copa? O indivíduo absolutamente acima de todos. Não tivemos um Pelé. Um Maradona. Um Ronaldo. Um jogador que decidisse a Copa sozinho. Não. As melhores seleções da Copa chegaram a este patamar por serem as equipes mais organizadas, melhor planejadas taticamente.
Os treinadores parecem agora estudar mais as características de seus elencos, partindo daí ao planejamento coletivo. Parecem também estudar mais as virtudes e defeitos dos adversários. Há pequenas e grandes variações, e dentro de um único jogo foi possível assistir de lado a lado verdadeiros embates entre estrategistas. Com técnica, com preparo físico, com equilíbrio emocional, mas acima de tudo com organização coletiva.
Este é o legado da Copa da África do Sul. Um futebol mais enxadrista. Um futebol como esporte eminentemente tático, estratégico, organizado. E coletivo.