O jornal espanhol As publicou ontem um artigo em seu site (leiam aqui) atribuindo as reconstruções das seleções brasileira e italiana à influência espanhola. O texto foi ao ar antes da partida Estados Unidos x Brasil. Segundo a contextualização do As, o modelo de jogo obstinado em manter a posse de bola no campo ofensivo com aproximações e triangulações curtas – o “tiqui-taca” da Espanha – seria copiado por Mano Menezes no Brasil, e por Prandelli na Itália.
A analogia do As é oportuna, e mais uma vez demonstra como a imprensa esportiva europeia está familiarizada com o debate teórico de alto nível em suas matérias. Mas, sob a perspectiva espanhola, talvez tenha se ufanado em demasia, ignorando as premissas clássicas do futebol brasileiro, reconhecidas na vitória da Seleção Brasileira de Mano Menezes sobre os Estados Unidos, por 2 a 0.
O Brasil não está copiando a Espanha. Na verdade, o sucesso do tiqui-taca espanhol pode ser considerado uma inspiração para que o Brasil recupere as suas próprias características. O “nosso tiqui-taca”, sem rótulos. Aplicando à valorização da posse de bola e às aproximações, típicas da Espanha, o tempero do improviso técnico natural dos jogadores virtuosos que costumam surgir em nossos clubes.
É certo que o 4-5-1 de Mano Menezes (ou 4-2-3-1) é uma importação europeia. Mas não necessariamente da seleção da Espanha. O treinador do Brasil se utiliza deste modelo desde 2007, no Grêmio. Dunga, seu antecessor, também atuava desta forma, embora sob outra estratégia. Nosso sistema tático também não é uma cópia da Fúria, mas sim uma adequação à tendência mundial. A evolução tática aponta para o 4-2-3-1 como o “modelo do momento”.
A este 4-2-3-1, Mano Menezes aplica características identificáveis no recente futebol espanhol à sua estratégia. As principais estão ilustradas no diagrama tático que ilustra o post, simulando uma jogada pelo lado esquerdo: controle da posse de bola no campo adversário, e aproximações. Somadas (posse ofensiva + aproximações) a Seleção Brasileira dominou a partida, e criou diversas chances.
A sincronia de movimentos é interessante. Os meias da segunda linha não assumem posicionamentos estáticos, como fazem de maneira equivocada alguns treinadores brasileiros em seus clubes, na tentativa de importar o 4-2-3-1. Quando André Santos apoiava pela esquerda, auxiliando Neymar, não apenas Paulo Henrique aproximava-se, mas também Robinho saía da direita para centralizar-se. Ou seja, uma triangulação (André Santos, Neymar e Paulo Henrique) com a aproximação de Robinho, mais o posicionamento de Ramires para a segunda bola, e a movimentação de Pato na referência.
Estas “pequenas sociedades”, conceito teórico democratizado por Paulo Autuori - que trouxe da Espanha esta explicação – proporcionam várias opções de passe: a equipe pode tanto dar sequência às infiltrações curtas na entrada da área, como aprofundar o jogo na linha de fundo e buscar o cruzamento, ou fazer a transição de pé em pé para o outro setor, ou até mesmo fazer a virada longa – porque a aproximação em bloco de um lado do campo leva a marcação e abre campo para o lateral oposto (no caso do diagrama, Daniel Alves) receber a inversão direta. Repertório vasto, como faz a Espanha em seu “tiqui-taca”.
Esta inspiração, entretanto, para por aí. O Brasil é Brasil, e não Espanha, quando joga com a bola no pé. Pois, além dos passes curtos, das aproximações, da movimentação de vários jogadores oferecendo-se como opções para o passe, há também o improviso e o drible, próprios do futebol brasileiro. Reunindo na mesma equipe os dois conceitos teóricos que mais me agradam. São eles:
- Controle ofensivo da posse de bola: trocar passes com jogadores próximos, pelo chão, mantendo a posse no campo adversário. Esta é a melhor maneira de marcar a outra equipe pois, com a bola, é impossível levar gol. E como lembrava Tite quando treinava o Inter, ano passado – esta posse não precisa ser objetiva constantemente. A equipe pode trocar passes e se movimentar por vários minutos até que o espaço naturalmente se abra, desorganizando o posicionamento da defesa, sem apressar a conclusão da jogada.
- Improviso para desconstruir a marcação: essa é velha – quando há encaixe de marcação, vence a técnica do jogador. Se a troca de passes “tiqui-taqueira” não desorganiza a defesa, há outro recurso. O drible. Partir para cima do marcador, eliminando-o da disputa, e desencadeando um efeito dominó de coberturas na defesa, o que automaticamente abre espaços para os demais companheiros.
Inspiração europeia, sim. Mas sem cópia. O futebol brasileiro sempre foi referência neste modelo de jogo. A amostragem inicial é boa, e Mano Menezes tem boas chances e obter sucesso comandando a Seleção Brasileira se conseguir manter estes conceitos aplicados ao modelo de jogo escolhido.