Eu não sei se acho graça ou me entristeço com os internautas que se declaram aqui no blog Preleção ferrenhos opositores do Santos de Dorival Júnior apenas porque a equipe paulista escolheu o 4-3-3 como sistema tático predileto. Cheguei a ler a seguinte definição: “futebol é barro no calção”. Não, rugby é barro no calção. Futebol é bola na rede. Infelizmente, a disseminação do 3-5-2 à Muricy no Brasil enrijeceu a crítica dos brasileiros. Associamos futebol à capacidade de dar carrinhos e morder as traves. Uma pena.
Ontem, José Mourinho ofereceu uma aula gratuita de 4-3-3. Foi espetacular na vitória de 1 a 0 da Inter de Milão sobre o Chelsea, quebrando um estigma recente, e passando às quartas de final da Champions League. Jogou com três atacantes e um meia ofensivo sem abdicar da segurança defensiva. Foi 4-3-3, mas não foi “faceiro” (sic). Não precisou aderir ao rugby com os pés para se classificar. Eto’o, Pandev e Diego Milito deixaram o campo com os calções limpinhos, sem barro algum. E classificados.
Reitero um argumento de José Mourinho, esclarecido no livro “O porquê de tantas vitórias”, escrito por quatro portugueses que dissecam a metodologia do técnico português. Mourinho adota, em qualquer clube, apenas dois sistemas: ou o 4-3-3, ou o 4-4-2 com meio-campo em losango – assim ele mesmo chama, e conta com meu apoio, mas podemos desdobrar para 4-3-1-2 a quem prefere as quatro faixas de campo.
Mourinho defende que o 4-3-3 é o sistema tático mais completo, por oferecer a mais equilibrada ocupação de espaços. Mas ele também se utiliza do 4-4-2 em losango por considerá-lo menos eficiente, o que obriga seus jogadores a manterem a concentração alta, compensando as falhas do sistema com aplicação e inteligência. Assim fala o treinador da Inter de Milão, conforme trecho do livro citado:
“O 4-3-3 é o sistema mais simples, e ao mesmo tempo mais completo, por apresentar a mais equilibrada ocupação de espaços no campo. Mas eu prefiro o 4-4-2 em losango porque ele gera certo desequilíbrio na ocupação dos espaços em comparação com o 4-3-3, o que exige mais concentração dos meus jogadores”.
A Inter jogou no 4-3-3 contra o Chelsea, em Londres. Teve 49% da posse de bola, e criou 13 oportunidades. O Chelsea de Carlo Ancelotti também começou no 4-3-3, com 51% de posse, e 14 oportunidades criadas. Foi uma partida muito equilibrada, e em alto nível. Ao contrário dos espelhamentos de 3-5-2, que abdicam da transição pelo chão, buscando a ligação direta, assistimos ontem a uma partida de futebol clássico. Jogado, pelo chão, com bola no pé, buscando a vitória. Sem abdicar da marcação.
Mourinho armou um triângulo de base baixa no meio-campo. Os volantes Cambiasso e Thiago Mattos guarneceram a linha defensiva, e tiveram à frente Sneijder como ponta-de-lança – ou trequartista, como dizem os italianos. À frente, o tridente ofensivo, com Eto’o pouco à direita, Milito centralizado, e Pandev na esquerda. Trio que se movimentou, variando os posicionamentos iniciais – tanto que Eto’o marcou o gol da vitória partindo da esquerda (*quando Stankovic já estava em campo, variando para o 4-4-2, o que levou Eto’o para a esquerda, conforme bem apontam os amigos nos comentários).
O balanço ofensivo se deu com Maicon e Pandev. Zanetti atuou como lateral-base pela esquerda, e Maicon teve mais liberdade para apoiar. Eto’o, saindo do lado para o meio, abria o corredor para Maicon. Na esquerda, Pandev podia ser ofensivo com a garantia da cobertura de Zanetti no setor. E a dupla de volantes protegia a frente da área, permitindo a Sneijder protagonizar uma atuação de gala na articulação.
Mas a Inter de Milão, com três atacantes, um meia ofensivo e um lateral apoiador, foi absolutamente segura na defesa. Não sofreu gol. Contou com a aplicação tática e a abnegação de todos os jogadores. Maicon, um lateral considerado ofensivo, marcou como nunca. Sneijder deu combate. O trio ofensivo recuava sem a bola, ocupando espaços. Esta é a chave: ocupando espaços.
Não existe sistema tático ofensivo demais, “faceiro” (sic). Não é preciso ter zagueiros demais, ou volantes demais, para se obter segurança. Ninguém precisa sujar o calção dando carrinho, como o tackle do rugby. Basta ocupar espaços. Os jogadores de Mourinho, bem distribuídos no 4-3-3, compactavam as três linhas e ocupavam todos os espaços possíveis entre as duas intermediárias. Assim, o Chelsea não encontrava espaços. Marcação que respeita o rigoroso posicionamento inicial de cada um.
Mourinho fala muito sobre isso no livro “O porquê de tantas vitórias”. Na transição defensiva (perda da posse de bola) a equipe precisa de uma rápida organização. Contando com a agilidade na retomada dos posicionamentos iniciais sem a bola, o sistema tático 4-3-3 não se torna vulnerável. Perdeu a bola? Compacta a equipe, rapidamente, ocupando espaços e bloqueando a passagem dos atletas adversários.
Aproveito para reiterar minha incompreensão com este ódio coletivo contra o Santos. Parece uma oposição à exposição na mídia, aos apelidos, aos “Meninos da Vila”, ao Robinho, às dancinhas. Isso não pode entrar em consideração em uma análise séria e criteriosa. O sistema tático precisa ser avaliado a despeito da simpatia por este ou aquele jogador. Não é proibido usar 4-3-3 no Brasil. A crítica não deve ser dirigida à inteligência e à coragem de Dorival Júnior, que se insurge contra a rugbyzação do futebol brasileiro. Mas sim ao comportamento dos jogadores que esquecem da aplicação tática em nome da soberba.
No clássico, não foi taticamente que o Palmeiras venceu o Santos. Foi na raiva. Em 40min de futebol, o Santos venceu por 2 a 0 e comprovou a competitividade do 4-3-3. Mas quando seus jogadores esqueceram do comprometimento na ocupação de espaços, e com as provocações quase inconsequentes mexeram com o brio dos palmeirenses, perderam a partida. Provavelmente, se o Santos mantivesse a intensidade de seu 4-3-3, com posicionamento adiantado, posse de bola, movimentação, e compactação sem a bola, teria vencido. Os jogadores do Palmeiras sentiram-se humilhados, e ganharam na raiva. E raiva, raramente, vence o futebol inteligente. Faltou ao Santos jogar com a aplicação da Inter de Mourinho por 90min.
Mourinho, Ancelotti e Guardiola usam o 4-3-3 respectivamente na Inter de Milão, no Chelsea e no Barcelona. Sabem fazer, sabem exigir de seus jogadores concentração, disciplina tática, e ocupação inteligente de espaços. Ninguém suja calção, e as equipes são bem sucedidas. Serve de exemplo ao futebol brasileiro, certamente, e principalmente à crítica. O Santos pode sim jogar no 4-3-3, desde que siga estes preceitos táticos. Comprometimento é importante no bom desempenho de uma equipe, qualquer que seja o sistema escolhido. E futebol, definitivamente, não é rugby.