Alex Anton, pela primeira vez, enviou uma colaboração para o blog.
Vieram texto, fotos e um recado, com um currículo resumido deste que parece ser um viajante inveterado.
Confira:
“Olá Rosane, tudo bem?
Curto muito o Recortes de Viagens e também sou apaixonado pela estrada! Sou de Florianópolis, mas moro no Exterior há mais de 8 anos. No caminho, fiz mestrado no Canadá, trabalhei na Suíça, na Indonésia, fiz MBA em Harvard, nos EUA, e já rodei por mais de 50 países!
Retornarei ao Brasil em breve, e adoraria compartilhar algumas das minhas mais recentes experiências. Escrevo para o blog da Harvard Business Review Brasil e no meu próprio, o transforME.
Uma sugestão de publicação no Recortes de Viagens é sobre uma recente experiência em Ubud, no coração de Bali, na Indonésia. Veja o texto e fotos abaixo – o que você acha?
Se curtir, te mando mais detalhes depois.
Alex”
Princesas e batucada: Carnaval? Não, um funeral!
Batuque, sorrisos, mulheres bem vestidas, a impressão de que a cidade inteira parou e se concentrou no mesmo lugar para festejar alguma coisa importante. Muita organização e infraestrutura construída especialmente para o evento: plataformas decoradas com flores e enfeites locais, uma estátua gigantesca de um boi enfeitado e um ritual que começou pela manhã cedinho. Foi sorte, pura sorte, estar em Ubud, região central de Bali, durante um funeral de um membro da família real local.
O evento é um espetáculo de tradição, misticismo e cultura balinesa. É uma jornada de purificação e renovação da alma do falecido, a qual será liberada durante a cerimônia e voltará em breve, habitando o corpo de um novo membro da mesma família – geralmente um neto ou neta, segundo a tradição balinesa. Para os balineses, ninguém é 100% novo, todos carregamos elementos dos nossos antepassados em nossas almas, e por isso a morte por causas naturais é aceita sem dor ou sofrimento visíveis a nós, ocidentais.
A energia em frente ao templo onde o evento começou era incrível. Agora fiquei sabendo que o dia da cremação é o ápice de um ritual que se inicia às vezes meses antes. Como o falecido era um importante membro da sociedade local, seu corpo foi embalsamado e mantido no palácio real por boas semanas antes da cerimônia. Durante esse período, preces, visitas e oferendas ao corpo ocorriam com frequência. Até chá e café eram servidos diariamente (ao falecido), sendo que um pente, uma escova de dentes e um espelho também ficavam próximos ao corpo embalsamado.
Oficialmente, o evento público começou às 13h daquele sábado de sol. Chegamos antes, lá pelas 10 da manhã, e uma senhora elegantemente vestida chamou minha atenção. Fui perguntar se podia fotografá-la e uma boa conversa se iniciou. Ela falava um pouco de português e já havia visitado o Brasil, que dizia adorar. Depois de alguma troca de elogios aos nossos lugares natais, ela me confessa: “não diga pra ninguém, mas eu sou uma princesa por aqui”. Ah, o prazer de encontros inesperados, e a “festa” estava apenas começando.
Às 13h, mulheres vestidas com túnicas azuis abriam a procissão com oferendas diversas equilibradas na cabeça, homens com a vestimenta típica local as seguiam carregando oferendas maiores, como leitões inteiros assados; em seguida, vinha a banda, que tocava uma batucada contagiante, lembrando uma escola de samba. Por fim, membros da família e amigos íntimos carregavam o caixão. Detalhe: todos riam e festejavam, gritando algo inteligível de vez em quando. O caixão parou em frente à plataforma maior e foi levado até seu topo, onde foi amarrado com fitas e laços junto de mais oferendas. A estátua de boi que estava ali parada já começava a se mexer, sendo carregada por dezenas de homens da região. Rapidamente aquela plataforma gigantesca onde estava o caixão também se ergueu e passou a desfilar pela cidade, levada por aproximadamente 100 homens. Quem a guiava eram mulheres e familiares do falecido, que controlavam a procissão puxando as centenas de pessoas atrás por fitas de cetim amarradas na plataforma principal.
Nessa altura o trânsito havia parado e a cidade inteira acompanhava o ritual. O mais interessante foi correr junto àquela plaforma enorme: de vez em quando a equipe que puxava a procissão acelerava e saía correndo, trazendo todos atrás no mesmo ritmo. Fascinante. Divertido. Contagiante. A banda, sempre presente, corria logo atrás da plataforma. Deu pra suar bastante, e paramos em outro templo, onde mais gente e a estátua de boi aguardavam. Era o templo da cremação, e ali o corpo foi retirado do caixão que estava no alto da plataforma principal e levado até a estátua de boi que aguardava na parte central do templo. Com cuidado, o corpo foi deitado no “meio” do boi e mais oferendas e rituais se seguiram, sempre ao ritmo de muita batucada.
Finalmente, lá pelas 16h, com um ramo de mais de 200 varas de incenso em chama, a viúva inicia a cremação, acendendo o “boi” por baixo. A partir daí o fogo se espalhou rapidamente e, em segundos, o “boi” já se tornava irreconhecível. O corpo ficava numa estrutura protegida por metal, e seria cremado por mais três horas. O mais bonito, no entanto, era, por alguns segundos, enxergar como o povo local: ver o corpo queimando, e a alma voando, se libertando, para em breve retornar num corpo novo e são.