O Uruguai caiu com bravura nas semifinais da Copa, mas os encantos do país continuam lá. O Chile, derrotado pelo Brasil, antes sofreu um violento terremoto, mas ressurge com força dos próprios escombros. São dois países que merecem ser incluídos em roteiros de viagem.
Por isso achei apropriado, nesse finalzinho de Copa do Mundo, publicar o texto e as fotos enviados pela Anamara Bolsson, que sempre passa pelo blog, deixando comentários queridos e colaborações.
“Quando o minuano ameaça soprar por aqui, começo a reclamar do frio. Em seguida, surge o desejo de voar aos países do Mercosul, onde é claro, sinto ainda ainda mais frio. Mas nossos vizinhos lindeiros, ou mesmo os mais distantes, nos oferecem espetáculos excêntricos nas ruas, surpresas memoráveis à mesa, ou simplesmente o melhor do seu solo erguido em um imponente projeto arquitetônico.
Aí vão umas dicas, que por sorte ou pelo faro, encontrei e não esqueço.
Banda de homens sós
Não sei se foi sorte ou se eles estão sempre por ali. Junto à Praça de Armas, próximo à monumental Catedral de Santiago do Chile, construída em 1748, encontramos um trio que nos arrebatou. Homens-banda, possivelmente um pai e seus filhos, encontraram um meio de arrecadar trocados, ganhar o dia e mostrar sua arte. Com tambores e pratos, tiras e fios a lhes prender braços e pernas como marionetes, mostram uma habilidade motora e o domínio do ritmo cadenciado e vigoroso que reverbera no peito. Um espetáculo de agilidade, ritmo e um som que se encerra com o entusiasmo do público e o chapéu que passa de mão em mão. Valem fotos, aplausos e a gorjeta aos artistas. Confira:
À mesa com uma centolla
Há alguns anos, um crustáceo imenso, de cor viva, sabor delicado e fresco fazia parte dos meus planos em um cardápio de viagem ao Chile: a centolla.
Capturada nas profundezas do gelado Pacífico, na costa chilena, é iguaria valorizada pela gastronomia. Com carne tenra, sabor levíssimo e ligeiramente adocicado, é semelhante à nobre lagosta. Cozida simplesmente em água e sal ainda viva (e não vi o tamanho da panela, mas certamente é algo descomunal visto o tamanho do bicho) é servida apenas cozida e acompanhada de um molho quente de manteiga e limão. Servi-la exige muita habilidade, além de luvas e uma tesoura apropriada, que o garçom manuseia com destreza. O corte que se inicia pelas longas patas deste imenso caranguejo alaranjado é demorado. Não há porque ter pressa.
No Mercado Público de Santiago, onde a variedade de pescados e crustáceos nos causa uma aguda inveja, a centolla está em quase todos os cardápios, é prato relativamente caro e somente alguns poucos turistas provam. Uma pena. Não sabem o que estão perdendo.Viajante faminta por novidades à mesa, encarei otimista e salivando o minucioso ritual do garçom partindo a deliciosa centolla. Acompanhada de um vinho branco ligeiramente fresco das vindimas da região, prolonga-se o almoço por quase duas horas. Santiago que espere. Eu e a centolla não podíamos mais esperar.
O solo rico uruguaio no belo Palácio Legislativo
Por descaso e desinformação, desconhecia o prédio do Parlamento Uruguaio. Tento me redimir do pecado espraiando a reza. Gabou-se o funcionário que nos recebeu e guiou por todas as dependências do prédio que pisávamos em um dos mais belos edifícios legislativos do mundo. Conheço bem poucos para avaliar, mas não duvido.
A começar pelo Salão dos Passos Perdidos, espaço por onde circulam senadores e deputados entre as sessões legislativas. O piso, as paredes, colunas e bancos do salão são recobertos por 52 cores diferentes de mármores e granitos retirados do solo uruguaio, da região de Treynta Y Três, localidade distante pouco mais de 300 quilômetros do RS. Pois o governo uruguaio, que ergueu o colosso, determinou que fosse do próprio país as pedras para a edificação. E não se fez de rogado. A exploração descobriu o que havia de mais nobre e bonito para ilustrar seu legislativo.
Depois das rochas, sim, vieram os arquitetos e pintores italianos, os bronzes e os vitrais franceses e até a madeira do Paraguai. O prédio sóbrio, quase austero por fora, se revela luxuoso no interior de estilo eclético. E digno como deveriam ser e parecer todos os legislativos e legisladores do mundo. Mas, lá como cá, revelou o guia, eles também são pouco assíduos: apenas 13 sessões ao mês.