Estou indo embora do Rio de Janeiro, uma cidade de adjetivos. Quero voltar para o meu mundo de substantivos. Obrigado Rio!!! Mas sou um habitante do sul do mundo. Meu mundo é sub-tropical.
Estou indo embora do Rio de Janeiro, uma cidade de adjetivos. Quero voltar para o meu mundo de substantivos. Obrigado Rio!!! Mas sou um habitante do sul do mundo. Meu mundo é sub-tropical.
Se eu pudesse definir Márcio Prestes em uma palavra, usaria: extremos.
Quando ele quer ser racional, é pura emoção. Quando imagina ser capitalista, na verdade é um benfeitor. Quando nega os conflitos do passado, constrói na família uma ponte de harmonia com o futuro. Quando ama a música, vive da luz.
É um cara de paradoxos!
Na fragilidade emocional do pai, buscou força para ser exemplar. Na personalidade forte da mãe, encontrou coerência lógica para rasgar uma vida. No amor de Kelly Smith, encontrou o norte e razão para sonhar.
Os dois se conheceram em um bar chamado Dom da Palavra. Lá, músicos tocavam em um canto, poetas declamavam em outro, livros somavam histórias nas estantes e uma garçonete circulava entre mesas, risadas e brindes.
O músico do canto era Márcio. A garçonete era Kelly. Os dois se olharam. A menina de olhos da cor do mar fazia bicos para pagar as despesas da faculdade. O músico faturava o bastante para bancar suas boemias.
Trocaram palavras, sonharam amenidades e se apaixonaram.
O músico descobriu que a garçonete amava fotografia e tinha uma filha que morava longe. Trocaram confidências e riram das suas vidas. Ela serviu uma cerveja para o músico. Ele tocou sua melhor música para ela.
Quando as portas do bar se fecharam, os dois foram embora juntos. Não se desgrudaram mais. Ela se formou e foi morar distante. Ele ficou e as músicas começaram a ter som de saudade. O dinheiro que ele ganhava tocando na noite, não era o bastante para trazê-la de volta. Ele queria que ela voltasse com Isabela, a filha.
Márcio desistiu de ser músico e foi trabalhar como escrevente no Fórum da cidade. Alugou um apartamento e depois de um ano conseguiu trazer Kelly de volta. Ela e a filha. Passaram a ser três.
Ele conseguiu comprar uma máquina fotográfica Pentax K1000 por uma pechincha. Deu de presente a ela. Kelly começou a fazer fotos nos aniversários dos amigos e parente. Fotos lindas, mas que ela oferecia de presente. Achava que não carecia cobrar, era arte.
Márcio sabia que não era fácil sustentar uma casa. Começou a vender as belas fotos que ela fazia. Não demorou, e também fotografava nas horas vagas. Começou a vender as próprias fotos. Kelly a maestra, Márcio o músico. Kelly uma artista, Márcio transformando a arte em sustento.
Não tinha mais tempo de ir ao Fórum. Pediu demissão e montaram o próprio estúdio.
Ele razão, ela sensibilidade. Ele o conflito, ela a calma. Ele um ex-músico, ela uma ex-garçonete. Os dois vivendo da fotografia.
Márcio realizou a maioria de seus sonhos. Trabalha com arte, construiu um lar e ganhou uma filha de presente.
Enquanto Kelly fotografa, Márcio ilumina. Enquanto ela trata as fotos, ele faz orçamentos.
A especialidade deles é fotografar noivas. Ganham dinheiro, sustentam a casa e regam seus sonhos. Mas para Márcio ficar totalmente realizado, ainda falta uma coisa. Ver Kelly vestida de noiva.
Mas os planos são sempre adiados. Falta equipar o estúdio, comprar mais equipamentos, esperar a filha – que agora é dos dois – se formar, comprar uma casa, trocar o carro. Afinal, eles sabem que casar é um investimento.
A única coisa certa até agora é que os fotógrafos do próprio casamento Márcio já escolheu. Serão Nei Bernardes e Beth Esquinatti, seus ídolos na fotografia de casamento. Inspiração na profissão e na vida.
Márcio é um cara que admiro por ter múltiplos talentos. Músico e fotógrafo, pai e marido, administrador e sonhador. Afinal, ele é homem de extremos.
A única coisa em comum entre eu e Henry Charles Bukowski é o nosso amor pelo fusca que está estampado nestas fotos. Sou fã do poeta, contista, romancista de origem alemã que viveu toda a vida na América. Irreverente, talentoso, bêbado e louco. São características que eternizaram este que foi um dos maiores poetas contemporâneos. Encontrei esta foto na internet (não sei quem foi o autor) e pedi para o Emerson Ferreira fazer igual de mim. Talvez seja a única semelhança entre eu e o imortal Charles Bukowski. Tudo bem, eu já tomei meus fogos e trabalhei em subempregos, tentei escrever algumas coisas e tenho um fusca. Mas chega de comparações. Vamos respeitar a memória de Bukowski.
Eu não queria morrer agora,
porque ainda não disse tudo,
porque falei poucas vezes que te amo,
porque sentiria pena de ir embora só.
Eu não queria morrer agora
porque ainda nos amamos pouco,
porque morrer me deixaria louco,
porque marcamos de jantar hoje a noite.
Eu não queria morrer agora,
porque estou com a conta de luz no bolso,
Se morro, a luz de casa é cortada,
e tu me mata se não poder ler aquele livro do Carpinejar
Eu não queria morrer agora,
porque fiquei de buscar nossa filha na escola,
e meu fusca está sem gasolina,
preciso resolver tudo isto até o final da tarde.
Eu não queria morrer agora,
porque tenho ir na floricultura e depois te comprar um presente
tenho que ir no rádio dizer para o mundo que te amo
E depois tenho que passar no Aquário pra tomar um café
Eu não queria morrer agora,
porque não tenho certeza de outra vida,
porque entre esta que eu te tenho agora e a dúvida
eu prefiro não morrer e continuar ao teu lado.
Mas se eu morrer tudo bem,
deixo uma lista de coisas que não fiz,
de contas que eu não paguei,
de pessoas que eu não amei,
e deixo o meu fusca.
Mas ele está sem gasolina…
Se eu tiver morrido, beijos. Se, não, a gente se vê no fim da tarde.
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