O post abaixo é longo e visa, principalmente, esclarecer leitores que escrevem para o blog desejando alguma orientação para si ou para algum familiar, quando se vêm de frente a um problema destes.
O câncer de próstata pode ser diagnosticado localizado, avançado localmente e disseminado.
A indicação de uma ou outra opção de tratamento para câncer de próstata localizado, deverá ser decidida entre o médico e o próprio paciente, cabe ao médico escutar o paciente e orientá-lo da forma mais clara possível.
Além do mais, como cada tratamento tem seus prós e seus contras, eu não creio que uma doença possa ter apenas um lado sombrio. A aproximação, o despreendimento que uma doença pode trazer para uma família, para um casal, entre amigos é muitas vezes a coisa que mais importa para pacientes e familiares. As vezes, tenho a oportunidade de ver filhos e pais tentando vencer dificuldades, juntos novamente. Uma ameaça de um infarto pode fazer um fumante, hipertenso querer mudar seu estilo de vida e isso é ver a doença pelo seu lado bom. Creio também que pensamento positivo, sem culpas, etc, é o melhor companheiro quando aparece um problema como este. Dito isso, vou tentar dar algumas orientações e espero ajudar e não trazer ainda mais dúvidas sobre os tratamentos do tumor da próstata.
O câncer de próstata é o segundo que mais mata no Brasil, porém a maioria dos portadores morre com o câncer e não dele. Entendeu isso, morrem por outras causas, tipo infartos, pneumonias… Portanto, um número grande de tumores pode ser diagnosticado e não progredir. Estatisticamente, somente cerca de 15% irão morrer da doença, ao contrário de tumores mais agressivos tipo câncer de pulmão e pâncreas.
Devemos colocar na balança todos os fatores que irão pesar na hora da decisão:
Idade, agressividade do câncer da biópsia, nível do PSA e velocidade que o PSA cresce, toque retal, quantidade de tumor evidenciado na biópsia, situação sócio-econômica, doenças associadas, como pressão alta, diabetes, obesidade, fumo… E resultados oncológicos versus funcionais.
O que são:
Resultados oncológicos – sobrevida, diminuição da mortalidade, PSA “zerado”, não aparecimento de metástases, enfim controle do câncer.
Resultados funcionais – potência sexual, incontinência urinária, problemas intestinais, irritação da bexiga, problemas que impactam negativamente a qualidade de vida
Atualmente, há, pelo menos, 3 tipos de tratamento:
1º - O chamado TRATAMENTO EXPECTANTE, do inglês watchful waiting.
Consiste, basicamente, em acompanhar e não tratar.
Quando foi devidamente comparado com a cirurgia mostrou uma pior taxa de sobrevida. Há cerca de 2 anos tem sido amplamente substituído pelo SEGUIMENTO ATIVO, do inglês active surveillance. A QUESTÃO CHAVE – considerar que o tipo do câncer diagnosticado na biópsia é do tipo pouco agressivo, esta modalidade de tratamento pode postergar por anos um tratamento e, possivelmente, nem necessitar de um tratamento.
Com a informação adequada sobre riscos e benefícios, considero esta opção aceitável para um grupo seleto de pacientes, certamente não para todos. E a confiança à longo prazo ainda não foi comprovada.
2º - RADIOTERAPIA – Várias modalidades de radioterapia estão disponíveis.
Braquiterapia – ideal para tumores pouco agressivos, com PSA baixo, ecom pequeno tamanho, em próstatas pequenas. Consiste na colocação de várias sementes radioativas injetadas na próstata. Técnica parcialmente abandonada na década de 90, devido a efeitos colaterais indesejáveis, agora é considerada segura e eficaz devido a avanços tecnológicos. É considerada cara para a realidade brasileira. Argumentos a favor: preserva 60% da potência sexual em 3-5 anos e 85% de continência.
Existe um risco, apesar de aparentemente ser baixo, da irradiação favorecer o aparecimento de um segundo tipo de tumor na área irradiada, cerca de 1,7x mais chance de ter câncer de reto por exemplo.
Radioterapia externa – apresenta taxas de controle do tumor QUASE tão boas quanto a cirurgia radical. Em seu favor relata não comprometer muito a potência e a continência nos primeiros anos.
CONTRA – sabe-se que após 2 anos tanto a potência quanto a incontinência vão piorando e alcançam, praticamente, o mesmo nível que os resultados da cirurgia. O que fala contra é a toxicidade associada. Cansaço durante as 6-8 semanas de tratamento, complicações intestinais e da bexiga. Em estudo recente, cerca de 40% dos pacientes submetidos á técnica conformacional 3-D, foram submetidos à colonoscopia para tratamento de sangramento retal após alguns anos da radioterapia.
FAVOR – Certamente, a tecnologia já melhorou muito e a radioterapia conformacional e de intensidade modulada (grande avanço) tendem a diminuir esses efeitos indesejáveis. Essa técnica consegue aplicar a irradiação mais na próstata, sem afetar tanto os órgãos vizinhos (bexiga, reto). É dito que a intensidade modulada apresenta problemas retais em apenas 4% dos pacientes, contrastando com a técnica conformacional, mais utilizada no Brasil, de até 40%. Certamente, isso também preserva melhor os nervos da ereção.
A queda do PSA é aos poucos nos primeiros 2 anos, bem como o aparecimento de impotência e incontinência, pois tanto as células tumorais quanto as “boas” vão morrendo aos poucos.
RADIOTERAPIA com HORMÔNIOS – dependendo da agressividade do caso e da extensão local do tumor a radioterapia deve ser associada a hormônios para obtenção de melhores resultados de controle da doença.
3º – CIRURGIA
A maioria dos tumores de próstata progride ao longo de anos, 7, 10, 15 anos.
Quando a cirurgia foi comparada com seguimento expectante, a PROSTATECTOMIA RADICAL reduziu o risco de metástases (raízes) e de morte tanto pelo tumor quanto de qualquer outra causa num período de 10 anos.
A FAVOR – até hoje as taxas de controle do câncer em 5 e 10 anos, apesar de similares, nunca foram superadas pela radioterapia. O PSA tende a “zerar” no mês seguinte ao procedimento e isso traz um alívio para o paciente. Já a radioterapia a queda do PSA demora até 2 anos para estabilizar.
Em um recente estudo de qualidade de vida, tanto a radioterapia externa quanto a braquiterapia foram associadas com complicações intestinais em 9% dos pacientes no primeiro ano de tratamento: urgência retal, dor, incontinência retal, sangramento retal.
Nenhum estudo de forte impacto comparou sobrevida entre Cirurgia x Radioterapia, porém estudos populacionais demonstraram menor sobrevida relacionada diretamente ao câncer e sobrevida geral após radioterapia para todos os grupos de risco de baixa ou alta agressividade. A radioterapia externa de intensidade modulada apresenta resultados de qualidade de potência tão bons quanto ou melhores que a cirurgia. Entretanto, a disponibilidade da intensidade modulada é ainda restrita no Brasil e os custos são bem elevados.
CONTRA – Após a prostatectomia radical, cerca de 15-20% dos homens apresentam incontinência urinária. A perda de urina é mais comum em pacientes acima dos 65 anos. A qualidade da ereção é fortemente deteriorada nos primeiros 3 meses e tende a melhorar em pacientes que tenham boa ereção antes da cirurgia, fazendo “fisioterapia pós-operatória” ao final de 2 anos (curva contrária a da radioterapia). Após uma cirurgia poupadora de nervos bem realizada, é possível que 80% dos pacientes abaixo de 65 anos tenham relações sexuais com uso de medicações.
A PROSTATECTOMIA é delicada e é um procedimento tecnicamente desafiador. Como qualquer outra profissão, como um piloto de Fórmula-1, por exemplo, a habilidade e a experiência do profissional são importantes e irão impactar nos resultados. Ótimos resultados são alcançados através da cirurgia aberta, vídeo-laparoscópica ou por robô, dependendo muito mais da experiência do urologista com cada técnica do que da técnica em si.
Postado por Flávio Heldwein, Florianópolis.