Durante quase três anos fui colunista da Revista TPM. Ao longo desse período fui dialogando a meu modo com o público, que imaginava ser de mulheres jovens, principalmente do centro do país. Além da eterna luta pela leveza, que no meu caso é uma dura batalha, fui me acostumado a escrever tendo em mente um público feminino. Com palavras muito gentis, as gurias me avisaram que minha colaboração se encerrou. Foi muito legal, pra mim pelo menos. Mas acabei gostando e acho que não vou encerrar esse diálogo imaginário, não necessariamente só com as mulheres, mas sobre as mulheres. E acho que este blog será minha próxima vítima…
Aqui vai a última coluna, publicada na edição de agosto da revista:
O cômodo vazio
“Vocês ganharam seu próprio espaço na casa até agora possuída exclusivamente por homens. [...] mas esta liberdade é apenas um começo; o cômodo é de vocês, mas ainda está vazio. Ele tem que ser mobiliado; tem que ser decorado; tem que ser repartido. Pela primeira vez vocês são capazes de decidir por si mesmas quais poderiam ser as respostas. Eu poderia ficar e discutir essas questões e respostas de bom grado – mas não esta noite. Meu tempo acabou e devo terminar.” Era 1931 e Virginia Woolf dirigiu-se com essas palavras para um público de mulheres trabalhadoras, ela ainda empenhou-se por mais dez anos na busca da voz feminina na ficção antes de resolver de fato terminar. Não gosto de pensar que ela desistiu, prefiro acreditar que a literatura lhe prolongou uma vida de muito sofrimento psíquico.
Temos trabalhado nesse desafio que ela nos deixou, mas nada para nós é certeza, pelo jeito, mais que novos papéis, a liberdade conquistada nos legou a dúvida. Cabem filhos em nosso cômodo? Queremos um amor ou sucessivas paixões? O que mexe com nossa libido? Trabalharemos para viver ou viveremos para trabalhar? Virginia conviveu com a primeira geração de mulheres numericamente significativas que tinham questões a colocar-se, mas elas não tinham precedentes. As mães delas sabiam o que seriam: esposa, mãe, solteirona, freira. Escritoras como ela amadrinharam as gerações seguintes, de mulheres em busca de uma voz própria.
A busca da voz é tema recorrente para todos aqueles que escrevem: como preencher um papel, uma tela em branco, que parecem zombar do pobre escritor? Ao referir-se ao vazio do recém adquirido cômodo, Virginia inseriu a própria condição feminina nesse impasse criativo. Porém, acredito que esse problema autoral coloca-se agora para ambos os sexos, já que a identidade masculina tornou-se inquieta.
Outra matriarca, cuja obra sexagenária, O Segundo Sexo, foi finalmente reeditada em nosso país, tem uma explicação para isso: Simone de Beauvoir acreditava que a mulher fazia-se “Outro” para que o homem pudesse ser “Um”, fazia-se de fundo para que ele pudesse ser a figura. Eram papéis complementares, de tal modo que quando se rompe um lado desse enlace soltam-se os dois.
Não há porque pensar que as mudanças de comportamento provêm somente das mulheres, e que os homens apenas as teriam tolerado mal, já que foi para ambos que o elo dos lugares fixos se dissolveu. Houve homens que se apaixonaram por mulheres livres, elas por sua vez, abriram mão do abrigo do patriarca: assim foi o amor de Simone e Sartre, o de William Godwin pela feminista Mary Woolstonecraft, o de Virginia e Leonard.
Homens e mulheres saíram do piloto automático, sentem-se frágeis, mas não cessam na busca do tom, de uma voz autêntica e compartilham uma dúvida interior: o que me torna uma mulher, o que me faz um homem? Por isso esperamos tanto do amor e do desejo, que parecem confirmar alguma coisa, qualquer coisa. Virginia, Simone e outras tantas nos deixaram com essas idéias, com elas pelo menos não ficamos tão órfãs.
Postado por Diana Corso