Olhem que lindo relato que a Flávia Motta nos enviou sobre a experiência deliciosa que teve com a filha em Paris. Delicado , sensível e principalmente atento em desenvolver o gosto pela arte respeitando o tempo e a idade das crianças.
Obrigada Neca, acho que vais fazer escola!
“Quando decidimos viajar comecei a conversar com minha filha Quitéria, de 10 anos, sobre as várias “coisas” que ela teria oportunidade de conhecer. Deixamos sempre claro de que a viagem obedeceria o ritmo e os interesses dela. Entre os itens pré-viagem estava a leitura de “Linéia nos Jardins de Monet”, que eu comprei quando ela devia ter uns 2 anos, e desde então estava guardado, para ser bem sincera, esquecido.

Após a leitura do livro, conseguimos o vídeo emprestado e nos deliciamos com o filme. Ela se encantou, de imediato, com a História. Da mesma forma eu tracei, na minha cabeça, um percurso literário tendo como base a viagem de Linéia a Paris. (Também lembrei do percurso literário que fizemos em 1995, em Portugal, com a turma da Oficina Literária do Assis Brasil tendo como gancho 3 livros do Eça de Queirós).
O primeiro passo foi ir a Giverny e visitar a “Casa Rosa” onde Monet passou grande parte de sua vida e produziu maravilhas. Foi mágico! Eu, chorona, quando vi a expressão da Quitéria, manifestando intimidade e conhecimento do ambiente onde estava, arrepiei e chorei. Ela sabia o lugar das coisas na cozinha, conhecia a sala de jantar, o atelier, correu em busca da ponte japonesa e vibrou ao encontrar o barco no lago. Fotografou Ninféias, juntou flores do chão, para secarem no livro exatamente como a Linéia fez. Até a pose da capa do livro na ponte ela repetiu para foto. Fomos e voltamos de trem que parte da Gare St. Lazare para Vernon e de lá com ônibus para Giverny.
As cidadezinhas são mágicas e o trajeto muito agradável.

Em outro dia, com o livro cheio de flores recolhidas no chão dos Jardins de Monet, fomos tentar achar o Hotel Esmeralda onde Linéia se hospedou em Paris. Não sabíamos direito o endereço, na ilustração aparecia o n° 4 e a vista que ela tinha da janela do quarto. Também falava que era na frente da Igreja Saint- Julien le Pauvre que tem em seu parque a segunda árvore mais antiga de Paris, plantada em 1602.

Pois bem, achamos a Igreja, a árvore (com direito à folhinha para secar no livro), e o hotel com o número 4. O hotel é tal qual descrito por Linéia. Tem o quadro da cigana Esmeralda na subida da escada. Temos a foto que prova isto. A Esmeralda é aquela, amiga do Quasímodo, o Corcunda de Notre Dame. Mais referências literárias reforçadas, antes, em uma visita a Place des Vosges e à fachada da casa onde morou Victor Hugo autor do corcunda.

E, também, na infindável subida às torres da Notre-Dame a fim de visitar o sino e o local onde o Corcunda vivia. Lá de posse da máquina fotográfica, Quitéria fez imagens de várias gárgulas que ela jura serem as amigas do Quasímodo que aparecem no filme.

Mais literatura: Linéia menciona no livro a “livraria inglesa que fica bem pertinho, logo depois da esquina”. Saindo do Esmeralda, em direção ao Sena, viramos a esquina e estávamos diante da Shakespeare and Company. Entramos, babamos, compramos e Quitéria quis tirar foto lendo, ou melhor, olhando os livros naqueles sofás empoeirados. Bem, no meio desta sucessão de surpresas e descobertas, entre os livros que Quitéria viu ali jogados estava o Diário de Anne Frank. – “Mãe, olha!”

Explico: um dia antes, após almoçarmos no Centre George Pompidou, fomos visitar o Musée de la Poupée (Museu da boneca) e na saída, aquelas coisas que acontecem em Paris, havia um canto ao lado do Museu, aparentemente um jardim. Era engraçado, inusitado, fomos ver e aquilo ia se abrindo e era uma praça, grande. Havia uma placa que informava ser, a Praça, um presente de um determinado Senhor para a comunidade judaica de Paris e se chamava Anne Frank. Quitéria perguntou quem era e recebeu uma explicação rápida mas o interesse aflorou. Queria mais detalhes e, claro, a tristeza da história a impressionou muito. Falei que era um sucesso e que era um dos livros mais lidos e ela perguntou se podia ler. Disse que sim, mas mais tarde! Na Shakespeare o título e a foto de Anne Frank a deixaram mais curiosa ainda.

Nosso percurso da “Linéia” terminou com visita ao Museu Orangerie onde estão as Ninféias de Monet. A pequena viu, reviu, ficou perto, ficou longe, fazendo o teste que Linéia fazia ao ver o borrão que era de perto e a flor que aparecia de longe. Entendeu, à maneira dela, a impressão que o artista tinha e queria retratar e o impressionismo do qual ele, Monet, era o principal expoente.
Enfim, ficou para outra vez, o Museu Marmottan e o D’Orsay. No Louvre fizemos um passeio relâmpago Vitória de Samotrácia, Vênus de Milo, Mona Lisa e alguma coisa da ala egípcia que fascina a Quitéria. Havíamos planejado um dia na Eurodisney. Eu e o Regis não estávamos muito satisfeitos com a idéia que, por iniciativa da Quitéria, foi cancelada. Isto me faz lembrar outra passagem da Linéia. Quando ela volta para sua cidade, que não é informada no livro, alguém pergunta: – E que tal a Torre Eiffel?…E ela responde: – Escute: nós tínhamos coisas muito mais importantes para fazer. Quitéria subiu no último andar da Torre, almoçou no Julio Verne mas, a Eurodisney, ficou para depois…
Outra coisa que fizemos, e ela adorou, foi levá-la a Montmartre, na Place de Tertre e pedir para uma artista retratá-la, ficou o máximo.

Fiquei abastecida e feliz com o aproveitamento que nossa filhota teve de tudo isso. Sem falar no nosso crescimento como família e a saudável reciclagem dos afetos. Mas isso é uma outra história.”
Comentários